sexta-feira, 1 de julho de 2011

A (con)fusão Pão de Açúcar,Carrefour

O que parecia ser uma operação de fusão de conglomerados varejistas virou assunto de prioridade nacional: a compra do Carrefour brasileiro pelo grupo Pão de Açúcar, tendo como um dos investidores o BNDESPar, a holding do BNDES que faz gestão das empresas nas quais o banco tem participação. Afinal, como avaliar esta questão? Como tudo começou

Na terça-feira, o grupo francês Carrefour anunciou ter recebido uma proposta da Companhia Brasileira de Distribuição (Pão de Açúcar) para fusão dos ativos de ambas no Brasil, agregando não apenas as bandeiras Pão de Açúcar e Carrefour, mas também Extra e Compre Bem. Na verdade, o mercado e a imprensa já especulavam sobre esta proposta desde pelo menos um mês atrás. Assim, se não chegou a ser surpresa, a notícia causou espanto porque foi feita, aparentemente sem o conhecimento e o aval do outro sócio do Pão de Açúcar, o também francês Casino, que detinha, no dia do anúncio, um pouco mais de 37% das ações do Pão de Açúcar, e pode exercer o direito de, daqui um ano, assumir o controle do grupo, indicando o nome do presidente do Conselho, que hoje é Abílio Diniz.

O anúncio da proposta de fusão agitou o pregão da Bolsa de Paris e as ações dos dois grupos variaram para cima (Carrefour) e para baixo (Casino). Aqui na Bovespa, as ações do Pão de Açúcar também tiveram alta. O Casino aproveitou para consolidar sua posição, adquirindo mais participação no Pão de Açúcar. Fechou o dia com 43% das ações.

Na quarta-feira, o BNDES anunciou apoio à operação, com o aporte de aproximadamente 3,9 bilhões de reais ao projeto, por meio do BNDESPar, o braço de investimentos do banco. Também faz parte dessa engenharia financeira o BTG-Pactual.

O Pão de Açúcar é hoje a rede líder no varejo de alimentos no Brasil e o maior empregador individual do país, com 150 mil funcionários. O Carrefour é o segundo maior grupo desse segmento no Brasil. A fusão dos dois cria, no país, uma rede que pode deter até 30% do mercado supermercadista brasileiro, com vendas estimadas em 47 bilhões de reais ao ano.

Vantagens do negócio

Para ambas as redes, a fusão representaria ganho de escala e equilíbrio das margens de lucro. A união também geraria uma economia de 1,5 bilhão de reais ao ano em custos.

O BNDES considera que sua participação gera valor ao banco e que amplia a participação de grandes empresas brasileiras no mercado internacional. O BNDES vê a nova rede como um canal de distribuição de produtos brasileiros nas gôndolas do mundo.

Reações

Se os investidores demonstraram euforia no primeiro momento, tanto que as ações das duas redes tiveram valorização nas bolsas, a indústria, os sindicatos e a sociedade estão em dúvida sobre os reais benefícios dessa fusão.

A imprensa tem discutido mais a participação do BNDES, alegando principalmente que:

- o BNDES é banco de fomento, deveria buscar setores estratégicos para incentivar inovação. O varejo já está dividido, mesmo mundialmente, e uma empresa, por maior que seja, não mudará as regras do jogo.

- o BTG Pactual é um dos maiores bancos de investimento do país, com ampla capacidade de captar recursos aqui e lá fora. Por que recorrer ao BNDES?

- Mesmo que o BNDES garanta que o dinheiro aportado nesse projeto não vem do FAT ou dos cofres públicos, o banco é público, tem objetivos voltados ao interesse da sociedade. Se vai dispor de quase 4 bilhões de reais para comprar uma participação (ou seja, transferir recursos para uma empresa francesa), quais os benefícios para a sociedade brasileira?

No caso da megarrede de varejo que será criada com esta fusão, setores da agroindústria também expressaram sua preocupação com a concentração de mercado que esta fusão vai promover. Com menos lojas independentes para destinar produtos, os fabricantes ( e suas cadeias) de leite longa vida, trigo, carnes e café, só para citar alguns, temem perder poder de barganha.

O setor de mercearia seca (grãos, farináceos, cereais, massas) distribui praticamente 90% de seus produtos via redes de supermercados; e representa o principal faturamento dos supermercados aqui no Brasil. Em 2010, responderam por 23% do total lucrado, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

Como serão feitas as negociações daqui para a frente? Qual o critério para estabelecer preço e margem?

A preocupação é a mesma da Associação Brasileira da Industria do Café (ABIC). Os supermercados são o principal canal de distribuição do café torrado e moído. 70% da produção escoa por eles. Se a concentração aumenta, qual o poder de barganha de um setor tão dependente dessas redes?

A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) também se preocupa com os efeitos de uma superconcentração no varejo. Para essa entidade, é grande o risco de pressão para negociar preços abaixo de um limite tolerável para o setor de carnes, que não tem margens altas.

Estas preocupações são procedentes. Conforme notícia publicada ontem na Folha de S Paulo, os analistas da Estáter, a consultoria que desenhou o projeto da fusão, consideram como uma das vantagens para as três redes envolvidas no negócio - Carrefour, Casino e Pão de Açúcar - o "aumento do poder de barganha" com os fornecedores e os consumidores. Também citou, entre as vantagens, sinergias, redução de custos e eficiência: serão essas palavras eufemismos para "demissões"?

Por isso, as organizações de defesa dos consumidores também saber se os preços finais vão começar a subir, já que a concorrência vai diminuir.

E as centrais sindicais já avisaram que querem ser incluídas nessa negociação, pois vão exigir garantia de emprego aos trabalhadores.

Analisando pela responsabilidade social empresarial

Junto com Walmart, Pão de Açúcar e Carrefour são pioneiros no monitoramento da cadeia produtiva da carne, para prevenir a ocorrência de trabalho análago à escravidão e garantir que o produto não veio de área de desmate ilegal. Esta ação exemplar vem, inclusive, contribuindo com o poder público no combate a essa prática vergonhosa.

As duas bandeiras também desenvolvem projetos junto a pequenos agricultores, cujos produtos são vendidos nas gôndolas. Há desde hortigranjeiros até peças de artesanato fabricadas por arranjos produtivos locais, Com isso, garantem trabalho, renda e inclusão produtiva a brasileiros que, sem essa "porta", não teriam oportunidade de participar do crescimento que o Brasil vem obtendo.

Ambas as redes também estão avançando na gestão dos resíduos sólidos, na ecoeficiência das lojas e no engajamento dos consumidores para questões ambientais.

POr toda essa história de militância mesmo em favor de uma nova maneira de fazer negócios é que acreditamos que a formação de um megagrupo de varejo pode ser a alavanca para uma verdadeira trnasformação do setor.

O Ethos sempre propagou que as empresas, por serem uma das forças mais organizadas da sociedade, deveriam usar sua influência para propor mudanças reais na sociedade. Assim, que ótima oportunidade terão essas duas empresas de fazer avançar a gestão responsável no próprio setor, entre os fornecedores e também consumidores.

Que grande oportunidade de trazer o empreendedor da base da pirâmide para o mercado, por meio não só da aquisição de seus produtos e serviços, mas da capacitação para incrementar seu potencial de gerar renda e trabalho para outros!

Há também uma oportunidade única de engajar consumidores na gestão dos resíduos sólidos, amplianda as campanhas e distribuindo mais pontos de coleta de recicláveis.

É preciso levar em consideração que a Casino, assumindo o controle do Pão de Açúcar, poderia vender a rede para um concorrente, aumentando a concentração. E, mesmo que não o faça, continuaria a aprofundar a gestão responsável já adotada pelo Pão de Açúcar?

Sobre o BNDES, ele é um banco público. Portanto, se ele vai participar dessa ação, ela se torna política pública. O ideal, então, é que o Banco exija contrapartidas no caminho do desenvolvimento sustentável, adotando os cormpromissos do Protocolo Verde do qual é signatário, junto com outros bancos públicos, na análise do projeto e garantindo que as empresas aprofundem e ampliem a gestão responsável nesse novo negócio.

O apoio ao projeto pode estar condicionado, por exemplo, à realização, por parte do Carrefour e do Pão de Açúcar, de um processo de diálogo com as partes interessadas, para atender as demandas delas na configuração da nova superrede.

Conclusão

No estágio atual do capitalismo, principalmente numa fase que parece ser de crise estrutural e profunda, não é possível evitar fusões e as consequentes formações de grandes blocos corporativos. Mas, podemos, sim, como cidadãos, decidir quais conglomerados queremos, quais as contrapartidas que eles precisam entregar à sociedade. Deveríamos opinar também se é o caso de dar recursos públicos ou não.

Estas discussões ampliam a participação democrática da cidadania em assuntos que lhe dizem respeito. Por que não dialogar desde agora?

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