terça-feira, 28 de junho de 2011

Cuba: alguns apontamentos

Temas de "Ethos na CBN" de 27/06/2011

O sociólogo Florestan Fernades comentou numa entrevista dada nos anos 1980 que o continente americano (norte e sul) ainda não superara, como um todo,  a herança colonial. E baseava seu raciocínio no fato de o estupendo crescimento econômico havido em praticamente todos os países durante o século 20 ter resultado em mais desigualdade social. As instituições políticas e sociais criadas ainda nos tempos do domínio espanhol e português não haviam sido superadas por formas mais democráticas e justas que garantiriam a distribuição mais equitativa da riqueza gerada. Florestan ressaltou duas únicas exceções a este quadro: Estados Unidos e Cuba. Cada um a sua maneira, realizaram revoluções no sentido estrito do termo e “fundaram” nações independentes, que, mesmo emulando alguns modelos “de fora”, como parlamentos, partidos políticos, etc, “inventaram” as próprias receitas de se apropriar e de distribuir poder e riqueza entre os cidadãos.
 

Florestan também apontou a fraqueza dos dois modelos: no caso americano, a dependência excessiva ao mercado financeiro e à indústria bélica para reproduzir o capital necessário ao seu crescimento. E em Cuba, a dependência à antiga URSS. Cuba, no entanto, logrou atingir índices de desenvolvimento humano para toda a população que os EUA, com todo o seu poder e dinheiro, ainda não conseguiu.

Mudando 

A fraqueza do sistema cubano tornou-se mais evidente ainda nos anos 1990, quando o regime soviético se desfez: o grande comprador do açúcar,praticamente único produto de exportação de Cuba, deixou de comprar. E pior, comprou (como URSS) e não pagou, porque no vencimento da fatura, não existia mais URSS. A dos EUA está cada vez mais profunda desde 2008.
 

Ambos os países, no entanto, estão na mesma encruzilhada: precisam mudar a economia e a sociedade, sem perder a identidade e os valores construídos ao longo de processos revolucionários que, de fato, tiveram impacto no mundo e nos cidadãos, individualmente.
 

O processo cubano de mudança vem sendo pouco comentado no Brasil e quando isso ocorre, os comentários são atravessados por preconceitos e desconhecimento, à esquerda e à direita.
As mudanças começaram a tornar-se mais visíveis a partir de 2006, quando Raul Castro substituiu Fidel. 

Desde então, a preocupação do mandatário da nação tem sido obter números confiáveis sobre a economia cubana para tomar decisões. Ele admite que não é “tão bom” quanto o irmão e que precisa de dados para se sentir seguro do que precisa fazer.

Situação atual

Não há mais recursos para seguir dando gratuitamente a 12 milhões de pessoas educação, saúde, habitação, eletricidade, água, almoço no trabalho e uma carteira para alguns alimentos. Cuba não tem indústrias significativas; 50% das terras férteis estão ociosas e o único mineral, o níquel, já foi vendido ao Canadá, graças a um péssimo acordo feito há muito tempo. Descobriu-se petróleo, mas não há recursos para explorá-lo imediatamente. O embargo norte-americano tem impacto real sobre o turismo. Cuba exporta serviços, sobretudo médicos, em troca de petróleo venezuelano.
 

O que vai mudar: desde os chamados “tempos heróicos” da Revolução, os cubanos nunca debateram tanto um plano qüinqüenal como o último, aprovado em abril pelo parlamento. As discussões foram profundas e dramáticas, pois não poucos cubanos consideram que mexer da velha ordem socialista é “trair” o processo revolucionário. Outros, no entanto, crêem que é preciso abrir a economia aos empreendedores para que o país consiga superar a sua crônica falta de bens e serviços que cheguem a toda a população.

Três decisões foram adotadas:
 

- o Partido Comunista Cubano deixa a direção da economia, que será responsabilidade do Estado. Isso tem impacto político. Cuba abandona o “centralismo democrático” característico dos regimes pautados pela URSS, e passa a construir um caminho próprio, no qual os cidadãos passam a ser mais ouvidos e decisões locais não precisam mais do aval do comitê central ou de algum representante do partido para serem adotadas.
 

- o Estado vai descentralizar as decisões em todos os níveis possíveis e, com isso, corrigir desperdícios e cortar custos. Haverá um planejamento central que dará as linhas-mestras para investimentos estatais e iniciativas individuais.
 

- o cidadão será o “motor” do desenvolvimento e, para isso, haverá forte estímulo ao empreendedorismo e à constituição de “negócios próprios”
 

Assim, como grande novidade dessa transformação, Cuba vai conviver com o trabalhador autônomo que poderá abrir pequenos negócios (não empresas) e associar-se com outros trabalhadores autônomos em cooperativas ou arranjos produtivos, para compra e venda de serviços comuns (mecânicos, encanadores, eletricistas, manicures, costureiras, seguranças, faxineiros, garçons, etc).
 

Está prevista a demissão de um milhão e trezentos mil funcionários públicos. Desse total, 500 mil já foram demitidos e receberam concessão comercial do Estado para exercerem essas funções por acordo direto com o comprador dos serviços.

Algumas conclusões:
- A discussão sobre as mudanças na economia está impulsionando a transformação também na esfera política e social. Ainda não se contesta o partido único, mas é provável que novas correntes de pensamento queiram garantir expressão maior e se organizem em partidos para disputar o poder.
 

- Não se está “regredindo” ao capitalismo, mas construindo um modelo novo de socialismo, mais adequado à realidade cubana. Isto significa o seguinte: Cuba não permitiu a volta da propriedade privada dos meios de produção. O Estado continua sendo “dono” das terras, dos recursos naturais, das fábricas, etc. Ocorre que as demandas da população por bens e serviços (e até por certo consumo mais “sofisticado”) andaram mais rápido do que o do planejamento estatal. E a falta de recursos financeiros também impede maiores inversões do Estado em setores de consumo de massa.

Este projeto pode naufragar por dois fatores:
 

- a luta interna no partido comunista, que opõe a ala “conservadora” que apóia o sistema tal como foi constituído ainda na primeira fase da revolução cubana, e a ala mais jovem, modernizante, que quer “arejar” a política e a economia cubanas.
 

- estes mais de um milhão de trabalhadores que estão sendo guindados à condição de “autônomos” não poderão contar com crédito (o país não tem dinheiro para isso), nem acesso a matérias-primas e mesmo ferramentas simples. Cuba não possui quase nenhuma indústria de transformação e precisaria importar tudo, de cereais a pregos e martelos, sem falar nos computadores, para dar competitividade a este setor que nasce no país.
 

Se abrir para importar (da China?), terá de fazer a moeda variar conforme o câmbio internacional, correndo o risco de gerar uma inflação altíssima.
Ainda concluindo: De qualquer forma, o processo é irreversível. Cuba está criando um tipo de “socialismo com mercado” e espera atrair investimentos, principalmente do Brasil.
 

Os cubanos não querem um capitalismo ultrasselvagem, como o que domina a antiga URSS. Querem os livros a 25 centavos de dólar. O cinema a dez centavos de dólar, assim como o balê, os museus, os concertos e todas as manifestações artísticas, educação e saúde de alto nível, oferecidas a todos praticamente de graça. Os cubanos querem manter isso.
 

No entanto, é preciso mudar. Em 1932, sem automóveis e com carros de boi como meio de transporte e quatro milhões de habitantes, Cuba produzia oito milhões de toneladas de açúcar. Hoje, com 12 milhões de habitantes e infraestrutura moderna, só chegam a um milhão e meio. Antes da revolução, havia seis milhões de pessoas e 12 milhões de vacas. Hoje é o contrário. Oitenta por cento do material de construção é importado, assim como 32% dos alimentos.

O que o Instituto Ethos foi fazer na ilha?
Como já dissemos, os cubanos precisam mudar para melhorarem de vida, mas não querem reproduzir a miséria e a degradação ambiental do capitalismo selvagem. Por isso, ao se abrirem ao “mercado”, querem fazê-lo do jeito que eles consideram “certo”, com responsabilidade social, buscando o desenvolvimento sustentável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este é um blog para todos! Deixe o seu comentário aqui e ele se tornará um post após a categorização do moderador.
Obrigada.