quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Senado aprova Lei de Acesso à Informação com fim do sigilo eterno

Essa aprovação representa uma grande vitória da sociedade civil brasileira que vem se mobilizando constantemente em prol de mais transparência nas relações público-privadas. Com a sanção da presidenta Dilma Rousseff, a nova lei entrará em vigor em 180 dias.

O ponto mais polêmico – o tempo de sigilo dos documentos ultrassecretos e secretos – foi aprovado conforme o desejo da sociedade civil – sigilo máximo de 50 anos. Assim, é possível dizer que, por lei, o cidadão terá direito a consultar qualquer informação que julgar importante, sem ter de explicar por que ou para quê. No entanto, o aspecto mais importante dessa legislação é que ela é ferramenta fundamental para a ampliação do controle social sobre a coisa pública, pois diz respeito aos três poderes e aos três níveis da Federação.

O Brasil passa, assim, a integrar o grupo de 89 países que possuem uma lei de acesso a informações públicas. A sociedade precisa, agora, fazê-la funcionar.

Contexto


Depois de dois anos de tramitação no Congresso Nacional, o projeto de lei de acesso à informação foi aprovado no plenário do Senado na tarde de terça-feira, dia 24 de outubro. O que representa esta aprovação?

Ela significa a consolidação da Constituição de 1988, chamada “Constituição Cidadã”, por garantir a ampliação do controle da sociedade sobre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) nos três níveis federativos (federal, estadual e municipal).

Assim, se você, caro ouvinte, quiser saber quanto a escola do seu bairro gasta com merenda escolar ou quais decretos embasaram a privatização das empresas estatais brasileiras, você terá direito a acessar estas informações. Pelo texto aprovado, o pedido de dados, sigilosos ou não, poderá ser feito por email e o agente público está proibido de constranger o cidadão interessado nessas informações.

O que diz a lei

O texto da Lei de Acesso a Informações Públicas traz algumas inovações importantes que fortalecem a cidadania, tais como:

- transparência é a regra: como diz o texto da lei, o governo (nas três esferas da federação) deverá ter como regra a publicidade de seus atos e como exceção o sigilo. Será obrigação da administração pública divulgar informações de interesse da sociedade, independente de solicitação.

A lei também obriga aos governos manter as informações atualizadas em sites de fácil acesso, com ferramentas amigáveis de pesquisa e possibilidade de gravação de relatórios em diversos formatos.

- fim do sigilo eterno:
O tempo máximo para uma informação ser mantida em reserva será de 50 anos (25 mais 25). Esse prazo vale apenas para os documentos ultrassecretos, os únicos que podem ter o prazo prorrogado por uma única vez. Documentos secretos têm sigilo de 15 anos não prorrogáveis; e documentos reservados, de 5 anos, também não renováveis.

- lista de dados sigilosos: todos os órgãos públicos dos três poderes em todos os âmbitos federativos precisarão publicar anualmente uma lista de documentos e dados cujos prazos de sigilo encerraram-se, indicando qual era o grau de sigilo de cada um. Hoje inexiste tal obrigação.

- classificação do sigilo – no âmbito da administração pública federal, apenas presidente, vice-presidente, ministros, comandantes militares e chefes de missões diplomáticas podem classificar documentos como “ultrassecretos”. No âmbito estadual e municipal, leis específicas devem definir quem classifica.

Em busca de respostas


A nova legislação traz, todavia, algumas questões que precisam de resposta, tais como:

- prazos de sigilo: começam a contar a partir de quando, da sanção presidencial? Da data em que foram classificados? A lei estipula um prazo de dois anos para a reavaliação de dados secretos e ultrassecretos. Se os prazos de sigilo estiverem por vencer, os documentos ultrassecretos poderão ser reclassificados dessa forma e ficar mais 50 anos sem consulta?

- orçamento: de onde sairão os recursos e os funcionários para o cumprimento da lei? Esses itens não foram previstos no orçamento da União de 2012, nem tampouco dos estados e municípios.

- Estados e Municípios: a lei é vaga quanto a prazos ou mesmo à necessidade de estados e municípios aprovarem legislação própria para acesso às informações locais. Até a possível aprovação, vale a lei federal nessas instâncias?

Governo aberto

A Lei de Acesso à Informação é parte de um plano de ações com o qual o governo brasileiro comprometeu-se em setembro último, durante a Assembléia Geral da ONU, para ampliar a transparência das políticas públicas e o acesso da cidadania às informações de governos.

Na verdade, o Brasil aderiu à “Parceria Governo Aberto” , um pacto ao qual os países aderem e, ao fazer isso, comprometem-se em divulgar no site específico da iniciativa os planos de ação dos respectivos governos em favor da transparência e da prestação de contas à cidadania.

A iniciativa dos governos do Brasil e dos EUA foi apresentada um dia antes da Assembléia da ONU, numa cerimônia a que compareceram Dilma Rousseff, Barack Obama e 60 chefes de Estado e governantes.

Para participar da PGA, cada país precisa assumir compromissos em pelo menos uma de quatro áreas-chave: transparência fiscal; divulgações financeiras por autoridades eleitas ou da alta administração; participação cidadã; e acesso a informação. Os compromissos também precisam atender pelo menos um dos cinco desafios colocados pela parceria:

Fortalecimento dos Serviços Públicos; Aumento da Integridade Pública; Gestão Mais Eficaz dos Recursos Públicos; Criação de Comunidades Mais Seguras; e Aumento da Responsabilidade Empresarial.

O Brasil, que copreside a iniciativa do Governo Aberto, tem planos para todos os aspectos das estratégias. Na época em que apresentou esse plano, em setembro, o país tinha um projeto já instalado e um único ponto fraco. O projeto é o Cadastro Pró-Ética, realizado em parceria pelo Instituto Ethos e pela Controladoria-Geral da União (CGU) para dar visibilidade às empresas que investem em medidas em favor da ética, da integridade e da prevenção da corrupção.

O ponto fraco era a falta de uma lei que garantisse o acesso dos cidadãos às informações públicas. Agora, não é mais.

O país possui, no entanto, outros desafios. O maior deles é tornar o Estado brasileiro aberto aos seus cidadãos, e não apenas uma parte dele, representada pelo poder executivo federal.

O desafio, então, é integrar as ações. No Legislativo federal, há mais de 60 projetos de lei com a tramitação parada por falta de relatoria, por emendas propostas, por urgência em outras pautas, enfim, por motivos variados. No Judiciário, há uma ação sendo julgada pelo STF, esvaziando a capacidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de “julgar” os juízes. Com isso, esvazia-se o controle social sobre esse poder.

Esses fatos servem para alertar a sociedade de que uma grande vitória não indica o fim da luta. Pelo contrário, põe nos ombros de todos os cidadãos mais responsabilidade e mais objetivos a serem alcançados.

Em relação ao acesso à informação, o próximo passo é fazer com a lei seja instituída e aplicada em todas as instâncias de governo. E que os agentes público sejam capacitados a atender as novas demandas da sociedade, compreendendo que eles são os “guardiães” e não os “donos” dos dados do Estado.

Mas, no fim, o que é a democracia senão um aperfeiçoamento constante dos direitos e liberdades de todos?

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