segunda-feira, 7 de novembro de 2011

“Rio+20, as empresas e o governo brasileiro”

No dia 1º. de novembro, o governo brasileiro enviou à Organização das Nações Unidas (ONU) as propostas que elaborou para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. O país será sede do evento em junho de 2012 e, no documento entregue, firmou posição de defesa da inclusão social e de combate à pobreza como fundamentais para o mundo construir um novo modelo de desenvolvimento, mais sustentável e justo.

O Instituto Ethos participou da Comissão Nacional que elaborou o posicionamento oficial do Brasil e também construiu um posicionamento próprio, discutido com mais de 90 instituições, entre empresas e organizações da sociedade civil.

O objetivo do documento do governo é influenciar nas negociações da Conferência da ONU, bem como construir um compromisso político substancial, que aumente a capacidade de efetivação dos acordos multilaterais já firmados em outras conferências da ONU. Assim sendo, oferece algumas sugestões e propõe a adoção de metas e ações concretas que vão contribuir tanto para superar a crise atual quanto para criar um novo paradigma de desenvolvimento.

Entre as propostas do documento do governo brasileiro e o posicionamento das empresas e ONGs reunidas pelo Ethos, existem importantes convergências e substanciais diferenças. Há, no segundo, um detalhamento maior de propostas para levar à emergência de uma economia includente, verde e responsável, aspecto pouco enfatizado no documento oficial.

Conheça a seguir um pouco mais de ambos os documentos.

As propostas do governo brasileiro

O documento do governo brasileiro, já enviado à ONU, assenta suas propostas em duas premissas básicas:
1. O desenvolvimento sustentável exige erradicação da pobreza e inclusão social;
2. A governança mundial precisa voltar-se para resolver o problema da miséria, respeitando os limites do planeta.

Com isso, o Brasil quer influenciar para que as discussões na Rio+20 sejam sobre o modelo de desenvolvimento que o mundo precisa para melhorar as condições de vida das pessoas, porque é isso que vai ajudar a preservar o planeta. E o país enumera algumas propostas para o planeta atingir o objetivo do desenvolvimento sustentável. Entre as sugestões brasileiras estão:
• a criação de uma “bolsa verde global” pela qual os países garantiriam àquelas pessoas abaixo da linha da pobreza uma renda mínima, segurança alimentar, moradia digna e acesso à água;
• o uso das compras públicas e do crédito bancário para promover práticas amigáveis ao meio ambiente, entre as empresas; e
• uma maior abertura, por parte dos órgãos mundiais multilaterais, ao setor privado, que engloba não só empresas, mas também movimentos sociais e entidades sem fins lucrativos. O governo brasileiro acredita que limitar as discussões aos representantes oficiais (governos) não considera a importância da atuação de agentes estratégicos que, muitas vezes, já são responsáveis pela adoção de certas decisões e práticas dentro dos países.

O Brasil também está pleiteando, junto à ONU, a realização de uma mesa-redonda com o setor privado, em data marcada entre a última reunião preparatória (30 de maio) e o primeiro dia da conferência (4 de junho). O objetivo seria fazer com que a proposta de declaração da Rio+20 passe pelos representantes do setor privado presentes à conferência antes de chegar aos líderes dos países.

A ênfase do governo brasileiro na ampliação da influência do setor privado se explica pelo fato de que os resultados da Rio+20 não são vinculantes, isto é, nenhum país está obrigado a segui-los. Mesmo assim, é possível haver conseqüências práticas. Por isso, o Brasil está focando a ação, e não a legislação. As diretrizes aprovadas na conferência poderão ser usadas para pressionar fóruns internacionais formais a adotar medidas na direção do desenvolvimento sustentável, por exemplo.

Nesse sentido, o posicionamento adotado por empresas e entidades articuladas pelo Ethos tem pontos de contato com o documento oficial brasileiro e reforça o foco na ação, sugerindo algumas medidas extremamente práticas para a construção de um novo modelo de desenvolvimento.

A proposta encabeçada pelo Ethos

Esse documento ressalta as expressivas diferenças de contexto entre a Rio+20 e as três grandes conferências de meio ambiente, realizadas em 1972 (Estocolmo), em 1992 (Rio) e em 2002 (em Johanesburgo). Estocolmo antecedeu as duas grandes crises do petróleo que foram o gatilho para iniciar a desregulação da economia. A Rio-92 ocorreu no meio do neoliberalismo, cujas premissas não contribuem para o desenvolvimento sustentável. Johanesburgo 2002 realizou-se quando a financeirização estava em seu auge. Já a Rio + 20 tem como cenário a crise financeira mundial iniciada em 2008, com novos desdobramentos em 2010-2011. Há o esgotamento do modelo de globalização econômica tal qual foi conhecido até agora, tornando necessário e urgente outro rumo para a economia e a política, baseado nos princípios e imperativos do desenvolvimento sustentável.

Assim pensando, o grupo de empresas e entidades que assinam o documento entende que as principais tarefas da Rio+20 são:
• fazer uma articulação entre a conferência e a busca de soluções para a crise;
• estabelecer uma agenda de transição para uma economia verde, includente e responsável;
• estimular uma atuação dos governos no sentido de formular planos nacionais de desenvolvimento sustentável; e
• construir um novo marco institucional no âmbito da ONU.

Para tanto, propõe internalizar algumas diretrizes nas economias nacionais, bem como na política nacional e internacional. No âmbito das economias nacionais, são sugeridas medidas como:
• um novo padrão nacional de contabilidade e mensuração do desenvolvimento, redefinindo o conceito de prosperidade nacional para além do PIB, medindo capitais naturais, sociais, humanos e financeiros;
• precificação do carbono e criação de mercado interno de carbono, com adoção de um padrão local para precificá-lo;
• pagamento por serviços de ecossistemas ; e
• estabelecimento de padrões mínimos de operação, em termos de trabalho decente, práticas socioambientais sustentáveis e ciclo de produção fechado. Tais padrões devem ser válidos para empresas públicas nacionais, concessionárias e multinacionais, bem como para companhias nacionais que operem internacionalmente.

No âmbito do novo marco institucional, o posicionamento das empresas e entidades signatárias reafirma o papel fundamental das Nações Unidas no estímulo e apoio aos planos nacionais, com medidas como:
• a instituição de um fundo internacional para ajudar a execução dos planos nacionais;
• a adoção, pela ONU, de um novo padrão de contabilidade para medir o desenvolvimento e monitorar os planos nacionais;
• a precificação do carbono e a criação do mercado global de carbono;
• pagamento pelos serviços dos ecossistemas;
• estabelecimento de padrões globais mínimos de operação; e
• redefinição da geografia de cooperação técnica e científica.

Para dar conta dessas tarefas em nível institucional, o documento sugere a articulação de uma “instância guarda-chuva”, no âmbito da ONU, que receberia os planos nacionais de desenvolvimento sustentável baseados em uma agenda mínima de metas como:
• diminuição da pegada ecológica;
• erradicação da miséria;
• redução das desigualdades;
• acesso a renda, bens e serviços públicos; e
• instituição de sistema de integridade e transparência nas relações público-privadas.

Essa instância guarda-chuva teria a finalidade de planejar, coordenar, estimular e implementar os compromissos voltados para o desenvolvimento sustentável, com nível hierárquico semelhante ao do Conselho de Segurança.

Os planos nacionais, na proposta encabeçada pelo Ethos, serão financiados por um fundo internacional, com recursos constituídos, entre outros meios, pela taxação de 0,05% sobre movimentações financeiras internacionais de caráter especulativo.

Se não é sensato esperar que a Rio+20 resolva todos os impasses da humanidade, é lícito e plausível trabalhar para que essa conferência gere entendimentos políticos que levem a passos importantes no rumo do desenvolvimento sustentável. É nessa perspectiva que as empresas e o Instituto Ethos apresentaram seu posicionamento à ONU e à sociedade.

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