sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Por que é importante a norma do Inmetro sobre processo produtivo sustentável

O Instituto Ethos tem sempre ressaltado que um dos aspectos mais importantes para a emergência da economia verde, inclusiva e responsável é o estabelecimento de condições favoráveis ao novo cenário, por meio de regulação e incentivos fiscais por parte do Estado.

O Brasil tem tido alguns avanços neste aspecto, com políticas públicas e leis que nos põem até mesmo na vanguarda da construção de uma economia de baixo carbono. Um dos exemplos é a Política Nacional de Mudanças do Clima, que estabelece metas para a redução das emissões de carbono. Outro exemplo é a Política Nacional de Resíduos Sólidos que formaliza o princípio da co-responsabilidade pela destinação correta dos resíduos. Tanto a meta de redução de carbono quanto o princípio da co-responsabilidade não estão configurados em lei na maioria dos países, mesmo naqueles onde a chamada “economia verde” encontra-se mais consolidada.

Agora mesmo, está em consulta pública, para sugestões e críticas da sociedade, a proposta de portaria Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) sobre “Requisitos Gerais para a sustentabilidade do processo produtivo”.

O Inmetro, uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, foi criado em 1973 para garantir que as medições e os produtos brasileiros estão em conformidade com as normas internacionais e nacionais, atendendo também a legislação. Ele não só realiza testes nos produtos, com estabelece normas e padrões que devem ser seguidos pela indústria nacional e participa de fóruns internacionais relacionados a metrologia , qualidade e acreditação.

A excelência dos serviços prestados é reconhecida internacionalmente. Assim, já se fazia necessária a participação do Inmetro do esforço que o país vem fazendo para construir um modelo de desenvolvimento sustentável. E o Inmetro o faz num momento muito importante e tratando de um tema crucial para o sucesso da economia verde: a produção sustentável. Sua introdução implica esforço tecnológico e de inovação sem precedentes, porque estamos falando de “reinventar” tudo o que hoje é produzido.

Ainda não existem normas internacionais que definam o que deve ser um processo produtivo sustentável. Mas há esforços para se chegar a isso, numa iniciativa chamada “processo de Marrakesh”, capitaneada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) , com a participação de diversos países, inclusive o Brasil.

Por isso, é elogiável a iniciativa do Inmetro de apresentar para consulta pública o texto de uma futura portaria definitiva a respeito da produção sustentável. Não vamos avançar no desenvolvimento sustentável se não estabelecermos definições, metas, indicadores e métricas a respeito do tema.
No entanto, a portaria merece alguns comentários e, embora o assunto pareça árido à primeira vista, é importante para o cidadão comum. A discussão sobre processo produtivo vai definir, em última instância, o que cada um de nós vai consumir nas próximas décadas.

Como já foi dito, a iniciativa de apresentar uma portaria sobre produção sustentável é bastante elogiável e demonstra que o governo está firme no caminho de regular as relações de mercado, entre outras, no sentido da sustentabilidade.

Por outro lado, é também importante ressaltar que tão importante quanto estabelecer a norma é o processo de construí-la. Ela precisa refletir as iniciativas que já existem na sociedade sobre mudanças do clima, tanto em nível nacional quanto internacional, integrando a legislação com o conhecimento acumulado. Se não for capaz de fazer isso, pode gerar resistência entre a indústria e na própria sociedade.

Uma sugestão que podemos dar é chamar a sociedade para aprofundar a discussão sobre a ISO 26000, dando continuidade internamente ao processo internacional liderado pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas.
A ABNT é uma entidade civil, sem fins lucrativos, credenciada como único Fórum Nacional de Normalização, responsável pela elaboração das normas brasileiras de caráter voluntário. O INMETRO é um órgão governamental com a finalidade de formular e executar a política nacional de metrologia, normalização industrial e certificação de qualidade de produtos industriais. Por isso, se o Inmetro “assumisse” a ISO 26000 e tratasse de aplicá-la aos diversos campos de atuação da entidade, o Brasil poderia avançar não só na produção, mas também na gestão sustentável.

Justamente por não “traduzir” o conhecimento acumulado pela sociedade sobre os temas da sustentabilidade, esta portaria sobre processo produtivo sustentável traz requisitos muito gerais, que terminam por não definir o padrão de orientação que se espera de uma norma. Um exemplo é o critério que fala da contratação de trabalhadores locais para incentivar o desenvolvimento territorial. O texto não especifica qual a participação da mão de obra local no projeto, se a empresa deve fornecer treinamento, como deve comprovar as contratações e assim por diante. Do ponto de vista da sustentabilidade, o correto é definir parâmetros para a preservação e o uso sustentável dos recursos naturais. Não se trata de mera implicância semântica. Uma empresa pode fazer uso racional da água, reduzindo o consumo, e nem por isso fazê-lo de maneira sustentável. De mais a mais, a própria posição do governo brasileiro está mais avançada do que a proposta contida na Portaria, e foi ratificada na COP 10 da Biodiversidade, ocorrida em outubro em Nagoia.

O texto da portaria também não define claramente quais serão os critérios para medir e aferir os procedimentos. Quando propõe o rastreamento de todas as etapas do processo produtivo, não estabelece de forma clara como deve ser feito este rastreamento.

As alterações que precisam ser feitas não invalidam a iniciativa que é necessária para orientar a indústria na mudança de padrão de produção. No entanto, é urgente incorporar a participação da sociedade na definição da portaria, pois corre-se o risco de termos outra norma que não “pega”.

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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

SP terá de cortar 28,6 milhões de toneladas de gases-estufa

Por Redação do Governo do Estado de São Paulo
Para cumprir lei estadual de mudanças climáticas, Estado precisa reduzir emissões principalmente no setor de energia e transportes.


Para cumprir a lei estadual de mudanças climáticas, São Paulo terá de reduzir em torno de 28,6 milhões de toneladas de gases que provocam o efeito estufa nos próximos dez anos. É o que aponta o primeiro inventário de emissões desses gases no Estado de São Paulo, divulgado ontem pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SMA) e pela Cetesb, a agência ambiental paulista. O levantamento - que servirá de base para a elaboração de metas para reduzir a produção de gases em cada um dos setores da economia - foi construído com informações de 20 relatórios que mapearam emissões em áreas como resíduos, agropecuária, transportes e indústria, entre outros.

Em 2005, ano-base para a elaboração da lei, São Paulo emitiu 143,4 milhões de toneladas de gases-estufa. Os dados apontam que o setor de energia, que abrange geração de energia e o uso de combustíveis, responde por 57% das emissões - um total de 81,2 milhões de toneladas de carbono. A produção agropecuária representa 20% das emissões, e mudanças no uso da terra e desmatamento respondem por 9% dos poluentes. Já as atividades industriais representam 8% das emissões e resíduos, que inclui gases como o metano de aterros sanitários, são 6%.

De acordo com Fernando Rei, presidente da Cetesb, o perfil das emissões do Estado de São Paulo é diferente do do território nacional. No País, o desmatamento responde por mais de 70% do total das emissões brasileiras. "Em São Paulo, o grande vilão é o setor de transportes. O desafio será reduzir essas emissões, o que implica em mudanças na logística de cargas e também de passageiros", diz.

As emissões do setor de transportes, que são contabilizadas dentro do relatório do setor de energia, são da ordem de 39,8 milhões de toneladas de carbono e representam mais do que a meta inteira de redução das emissões proposta para 2020. Segundo Rei, o objetivo da secretaria é que as metas específicas para transporte sejam negociadas junto com o setor.

"Isso vai demandar um esforço de política pública para incentivar, no transporte de cargas, o uso de ferrovias e hidrovias. E, no transporte de passageiros, incentivos à ampliação da rede metroviária e do transporte coletivo como um todo", diz Rei. "Sem o envolvimento do setor de transportes, a lei de mudanças climáticas corre o risco de não sair do papel", enfatiza.

Para Stela Goldenstein, ex-secretária de Meio Ambiente de São Paulo, será preciso um plano para tornar o setor de transportes mais sustentável. Ela faz parte de um comitê gestor criado pela secretaria para articular que a lei de mudanças climáticas seja cumprida. "O próximo passo é definir uma meta setorial."

Fósseis. Como o Estado antecipou em novembro, as emissões de gases de efeito estufa derivadas da queima de combustíveis fósseis, como o diesel e a gasolina, cresceram 39% entre 1990 e 2008, dado que compõe o inventário divulgado ontem. A contribuição do diesel no consumo paulista é da ordem de 15% do total de fontes de energia.

Fábio Feldmann, um dos responsáveis pelos programas que culminaram na lei estadual de mudanças climáticas, avalia que os dados do inventário sinalizam que há oportunidades para promover uma economia mais limpa no Estado, com incentivo às energias de origem renovável. "Mais cedo ou mais tarde teremos de caminhar para uma economia de baixo carbono. São Paulo avançou na criação da lei, que já está sendo copiada por Estados como o Espírito Santo. "

No entanto, alguns setores, como a indústria, se mostram reticentes a assumir metas. "É uma visão equivocada dizer que o Estado perde competitividade por causa da lei."

Para entender:

Dados são ponto de partida para metas setoriais

O inventário de emissões do Estado de São Paulo é o ponto de partida para que sejam detalhadas as metas que cada setor terá de se comprometer para o comprimento da lei estadual de mudanças climáticas, aprovada pela Assembleia Legislativa em outubro de 2009 e regulamentada por decreto neste ano.

A lei prevê que o Estado reduza suas emissões de gases que provocam o aquecimento global em 20% até 2020, com base nos dados de 2005, apresentados ontem.

Dividido em cinco grandes áreas - energia, agropecuária, indústria, mudanças no uso da terra e resíduos -, o inventário seguiu a metodologia de medição de gases de efeito estufa do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), grupo de cientistas das Nações Unidas que estudam o aquecimento global e a adaptação às mudanças climáticas.

O inventário ficará disponível para consulta pública no site da Secretaria de Estado de Meio Ambiente http;//www.ambiente.sp.gov.br até 31/12. De acordo com Fernando Rei, presidente da Cetesb, as metas de redução das emissões em cada uma das áreas serão negociadas junto aos setores.


Fonte: Envolverde/Governo do Estado de São Paulo

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O Índice de Sustentabilidade Empresarial da BM&FBovespa

A BM&FBovespa, bolsa líder em úmero de transações na América Latina e uma das maiores do mundo em valor de mercado, criou o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) em 2005, com apoio financeiro do IFC, sigla em inglês para Corporação Financeira Internacional, braço do Banco Mundial para desenvolver o setor privado nos países emergentes.

O ISE foi criado para propiciar ao mercado investidor um mecanismo eficiente de seleção de empresas com desempenho diferenciado em questões ambientais, sociais e econômicas.

Partiu-se da idéia que que a inclusão de uma empresa em um índice de sustentabilidade estimularia a demanda por suas ações, aumentando seu valor de mercado, sua competitividade e sua reputação.

Para fazer um balanço dos cinco anos da iniciativa, o IFC encomendou um estudo para avaliar o impacto do índice sobre as práticas de sustentabilidade das empresas da carteira. Elas responderam um questionário online, passaram por entrevistas pessoais e por uma pesquisa documental de mais de 40 indicadores-chaves de desempenho ao longo do período. Para avaliar melhor o impacto, as empresas pesquisadas foram divididas em 4 grupos: 1 – empresas no ISE desde sua criação; 2 – empresas que eram membros, saíram e depois voltaram; 3 – empresas que saíram; 4 – empresas que nunca fizeram parte da carteira

A conclusão geral da pesquisa é que o ISE teve o papel de guia de referência para as práticas de sustentabilidade tanto das empresas da carteira quanto daquelas que nunca participaram do índice, seja para a iniciação, seja para a melhoria contínua delas.

Como resultado da participação no ISE, 86% das empresas do grupo 1 perceberam melhorias na governança e no desempenho ambiental; 57% notaram melhoria no desempenho social. Nos demais grupos, várias empresas notaram a importância de participar do processo de admissão no ISE, porque isto ajuda a perceber as suas limitações em relação às práticas de sustentabilidade. Entre os benefícios de participar listados pelas empresas, destacam-se a oportunidade de rever as próprias ações, gerando mais competitividade, e a satisfação de ser considerada uma empresa responsável.

64% das empresas do grupo 1 (que sempre fizeram parte do índice) que o ISE foi o fator mais importante no desenvolvimento de práticas de sustentabilidade ao longo de cinco anos.

Outro aspecto avaliado pelo estudo do IFC foi o chamado “investimento socialmente responsável” (ISR). Imediatamente após a introdução do ISE, novos fundos foram criados, mas, ao longo do período, o mercado ISR continuou controlado pelos dois fundos que existiam antes do ISE: o Ethical, do Santander, formado em 2001; e o fundo do Itaú.

Em outubro deste ano, havia 10 fundos de sustentabilidade no mercado brasileiro, gerindo 580 milhões de dólares. Os dois maiores, justamente o Ethical e o do Itaú, controlam 70% dos ativos.

No entanto, a pesquisa não encontrou evidências de que liquidez, acesso ao capital e preços de ações tenham sido impactados favoravelmente. Além disso, o estudo também verificou que a remoção de uma empresa do índice teve pouco ou nenhum impacto sobre o preço das ações, sua reputação ou suas práticas de sustentabilidade.

Isto não significa que as empresas não se beneficiem por serem socialmente responsáveis, sob a forma de acesso a mercados, a melhores preços, a menores custos, a melhor valor para seus ativos, a melhor reputação, a trabalhadores mais produtivos. Significa que este estudo não conseguiu evidências cabais para ligar tais melhorias a práticas de sustentabilidade.

O estudo do IFC conclui que tem sido confirmada a expectativa de que o ISE contribuiria para ampliar a conscientização sobre sustentabilidade e para melhorar as práticas empresariais. Todavia, para que este impacto aumente, é necessário que o ISE venha a influenciar o mercado financeiro.

Para tanto, o ISE estabeleceu cinco objetivos estratégicos a serem atingidos ao longo dos próximos cinco anos: ampliar a abertura de informações ao mercado; aumentar a participação das empresas no processo de seleção; aumentar o volume de recursos investidos e de produtos atrelados ao ISE, tornando-o benchmark de investimentos; fortalecer os canais de comunicação e diálogo com as partes interessadas; trabalhar pelo aperfeiçoamento do escopo e processos de elaboração dos questionários; (metodologia, processo de seleção de empresas, etc).

Até o momento, o ISE é o único índice construído com consulta e participação de vários segmentos da sociedade, não apenas os mercados.

Este ano, a carteira será composta por 38 empresas que somam um valor de mercado de 1,17 trilhão de reais. Isso equivale a 46,1% do valor de mercado de todas as companhias com ações negociadas na bolsa e representa um aumento de 60% em relação à carteira anterior. São seis as companhias estreantes: Vale, Santander, BicBanco, Anhanguera, Copasa e Ultrapar. Deixam o índice a Dasa e a Usiminas. Entre os setores da economia, ingressam no ISE pela primeira vez os segmentos de mineração, serviços educacionais e holdings diversificadas.

Até o momento, o ISE é o único índice construído com consulta e participação de vários segmentos da sociedade, não apenas os mercados.

Este ano, a carteira será composta por 38 empresas que somam um valor de mercado de 1,17 trilhão de reais. Isso equivale a 46,1% do valor de mercado de todas as companhias com ações negociadas na bolsa e representa um aumento de 60% em relação à carteira anterior. São seis as companhias estreantes: Vale, Santander, BicBanco, Anhanguera, Copasa e Ultrapar. Deixam o índice a Dasa e a Usiminas. Entre os setores da economia, ingressam no ISE pela primeira vez os segmentos de mineração, serviços educacionais e holdings diversificadas.

Neste ano, questões relacionadas a iniciativas das empresas no campo das mudanças climáticas foram inseridas no questionário do ISE, enviado a 182 empresas com as 200 ações mais líquidas. No entanto, apenas 53 delas responderam ao questionário, incluindo dez no processo pela primeira vez. Destas, 38 foram selecionadas e são: AES Tiete, Anhanguera, Bicbanco, Bradesco, Brasil, Braskem, BRFoods, Cemig, Cesp, Coelce, Copasa, Copel, CPFL Energia, Duratex, Eletrobras, Eletropaulo, Embraer, Energias BR, Even, Fibria, Gerdau, Gerdau Met, Inds Romi, Itausa, Itauunibanco, Light S/A, Natura, Redecard, Sabesp, Santander, Sulamérica, Suzano Papel, Telemar, Tim Art S/A, Tractebel, Ultrapar, Vale e Vivo.

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terça-feira, 30 de novembro de 2010

COP16 precisa lembrar dos maias

Marina Franco
A Chichen Itza, cidade arqueológica que é um dos símbolos do México e uma das novas 7 Maravilhas do Mundo, recebeu nesse final de semana, antes de a COP16 começar, a visita de um balão com a mensagem “Resgate o clima” e “Pare com o aquecimento global”. A manifestação foi feita pela ONG internacional Greenpeace para pressionar as delegações reunidas em Cacún com o objetivo de negociar sobre o clima da Terra, nesta COP que não empolga muito quanto a um acordo global definitivo – embora seja importante para outras questões (Leia A COP16 também não vai salvar o mundo (mas é importante!))

Com este protesto, o Greenpeace defende que todos levem a lição da história do povo indígena maia, que construiu Chichen Itza e a tinha como centro político e econômico. Ele passou por diversas secas na região, que impactaram partes da população, até o seu colapso definitivo. E apesar de toda a sua sofisticação matemática, astronômica e científica, o povo maia não pôde prever seu fim. Mas, como defende o Greenpeace, nós estamos prevendo o nosso fim e devemos trabalhar contra isso.

Já que podemos enxergar nosso futuro, há caminhos diferentes para escolher, como o das fontes de energia limpas e o de países acordados internacionalmente sobre as mudanças do clima. O Greenpeace pede que os países:
- reconheçam que seus cortes de emissão ainda não são suficiente;
- tomem decisões quanto a estrutura de um acordo;
- decidam como prever novos recursos para o desenvolvimento;
- ofereçam dinheiro para conter o desmatamento em países em desenvolvimento e
- acabem com as brechas de regras quanto às florestas e ao uso da terra, que podem aumentar as emissões dos industrializados.

Leia também:
Entenda a dinâmica da COP16, em Cancun
Lula não vai à COP16
Redd deve ser tema central na COP-16

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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Desentupindo canudos

O relato de uma série de boas experiências em todo o País contraria a percepção de que a esfera pública é um espaço avesso à inovação


 Mãe Canguru em Pernambuco, remédio em casa no Rio de Janeiro, mobilidade de moradores de favelas em Belo Horizonte, coleta seletiva em Londrina, formação de professores indígenas bilíngues no Acre.

Estas são apenas algumas das mais de 8 mil iniciativas inovadoras em gestão pública que fazem parte do banco de experiências acumuladas nos dez anos de vigência do Programa de Gestão Pública e Cidadania, desenvolvido entre 1996 e 2005 pelo Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (Ceapg) da FGV-Eaesp. O programa do Ceapg de certa forma se contrapõe à percepção de que a gestão pública seria um espaço avesso à inovação, já que as trocas de governos trazem sempre novas prioridades e mudanças nas políticas públicas. Por isso, ganha importância a discussão sobre o próprio conceito de inovação e como ele se aplica na prática da gestão pública.

Fonte: Página 22


Roborocrático - criação de Sírio Braz

Para Ricardo Bresler, professor da FGV e membro da equipe do Ceapg, a inovação, neste caso, está intimamente relacionada ao processo de “desentupir canudos”. Ou seja, de criar espaços de convergência entre atores que estão buscando soluções comuns para os desafios apresentados em suas áreas de atuação.

Para materializar o conceito, ele cita o exemplo da Escola Família Agroindustrial de Turmalina, no Vale do Jequitinhonha, ao norte de Minas Gerais, uma das 20 ações inovadoras premiadas pelo Ceapg em 1999. O desafio, no caso, era o de assegurar o acesso das crianças das comunidades rurais à escola.

Como lembra o professor Bresler, havia duas distâncias a ser superadas: a primeira, óbvio, era a física, uma vez que as casas ficavam dispersas em uma área grande, o que praticamente inviabilizava um sistema de ônibus que buscasse e levasse diariamente as crianças a suas casas.

A outra era a distância “conceitual”, caracterizada pela necessidade de ministrar o “saber oficial”, traduzido em uma grade curricular típica de qualquer escola, sem perder de vista o “saber tradicional”, necessário para responder às necessidades práticas da comunidade localizada em uma zona rural.

A solução foi a de aplicar a “pedagogia da alternância”, segundo a qual as crianças ficavam 15 dias internadas na unidade escolar e nos outros 15 voltavam para suas casas, onde podiam ajudar seus pais, além de repassar as atividades desenvolvidas na escola e também de trazer tarefas para ser feitas com a ajuda da família. As crianças contavam com o professor para ministrar o saber oficial e também com um instrutor, algumas vezes sem ensino formal, mas que conhecia soluções concretas e práticas para os desafios que a comunidade enfrenta.

“Neste caso, o cano desentupido foi o da convergência entre os saberes oficial e tradicional, entre o professor formal e o instrutor que detém os conhecimentos imediatamente úteis para comunidade. Desse encontro surge um processo inovador que responde às necessidades daquela comunidade”, explica Bresler.

Outro exemplo de como o “desentupimento de canos” é um passo fundamental na inovação em gestão pública é o programa “Soros, Raízes e Rezas”, desenvolvido em Maranguape (CE), pela Secretaria Municipal de Saúde, e que foi um dos 20 premiados pelo Ceapg em 1999.

O objetivo era combater a desidratação infantil e a morte de crianças com menos de 1 ano por meio do reconhecimento da importância de uma convergência entre o saber oficial dos médicos e o tradicional das rezadeiras e benzedeiras.

Depois de implantado o programa, médicos e rezadeiras passaram a atuar de maneira coordenada na identificação dos casos de desidratação e na distribuição do soro caseiro. Para as rezadeiras, isso representou o reconhecimento de seu saber tradicional, antes visto como algo “folclórico”, mas que se tornou um elemento importante na política de saúde pública municipal.

Para os médicos, por sua vez, isso os levou a contar com mais respeito e reconhecimento por parte da comunidade. Para o sistema de saúde em si houve um aumento significativo na capilaridade do atendimento às famílias, já que as rezadeiras formam uma rede que abrange áreas do município aonde muitas vezes não chega o poder público.

Para Ricardo Bresler, o que propiciou a capacidade de “desentupir canudos“ e gerar convergências talvez tenham sido os elementos comuns mais evidentes nas mais de 8 mil experiências acumuladas pelo programa do Ceapg. Isso porque a inovação, tal como era entendida pelo programa, não tinha muito que ver com a percepção tradicional da existência de um “Professor Pardal” tirando do nada ideias luminosas e sem precedentes.

Ao contrário, Bresler evoca o conceito trabalhado pelo sociólogo francês Bruno Latour, para quem na maioria dos casos a inovação é fruto de um processo, de um trabalho coletivo e cultivado ao longo do tempo. Ele cita o exemplo do engenheiro alemão Rudolf Diesel, que, embora tenha dado nome ao motor a diesel, não foi o único responsável pelo seu desenvolvimento, o qual envolveu uma série de pessoas e seguiu o acúmulo de conhecimentos até aquele ponto. “A gente inova no espaço e no tempo de acordo com as condições que temos para isso”, diz.

Processos participativos
O consultor em processos participativos e um dos criadores do Movimento Marina Silva Eduardo Rombauer – que acumula mais de dez anos de experiência de trabalho com diversas áreas do governo, ajudando a montar processos de consulta participativa – ecoa esta visão. Para ele, é justamente a possibilidade de envolver as diversas partes interessadas nos processos de inovação um dos elementos que garantem a abrangência e a perenidade das políticas públicas e de gestão governamental.

Segundo Rombauer, o “fazer juntos” é uma quebra no padrão de relações. Por isso mesmo, é um elemento fundamental na busca e implantação de qualquer solução inovadora, tanto no âmbito público quanto no privado.
“Isso é particularmente importante nas relações que se criam entre o Estado e a sociedade. É uma questão de gerar um processo no qual o objetivo principal está mais no diálogo e na busca e construção de convergências do que nos resultados em si. Porque aí se constroem as bases para mudanças mais permanentes.”

Para ele, a inovação na gestão pública tem um grande desafio, o de incluir a percepção dos processos, de captar o que existe de vivo e orgânico na construção das soluções que enfoquem no bem comum e que levem a uma participação ativa de todos os atores envolvidos. É por isso que, para Rombauer, quando se fala na replicação de soluções locais, especialmente em um país com a dimensão e complexidade como o Brasil, não se consegue escala se não houver processos envolvidos.

Ele defende que uma boa ideia, para ser replicada em escala, necessita de um processo fértil que permita ser compreendida. “Se a ideia estiver adequada ao nosso tempo, ela exige pessoas que tenham preparo e um coletivo que esteja desenvolvido para fazê-la vingar. Esta é a base para a inovação.”

Questão de decisão política
É da mesma opinião a jornalista e pesquisadora em disseminação de inovações Veronika Paulics, organizadora do livro 125 Dicas – Ideias para a ação municipal, editado pelo Instituto Pólis junto com o BNDES e distribuído em todos os municípios do País. Para ela, tanto na gestão pública quanto na empresarial, as inovações, uma vez implementadas, acabam puxando outras.

“É só ver o caso do sistema de esgoto, de como evoluiu de uma necessidade antiga de ter fossas para evitar contaminação, para o tratamento sistemático e até para a demanda atual por se reaproveitar a água.” Ela acredita que tudo o que tem a ver com a vida humana sempre consegue ter uma etapa seguinte, de redução de custo, melhora na forma de atendimento da demanda ou de ampliação do público beneficiado, por exemplo.

Veronika chama atenção para o fato de que os processos inovadores estão intimamente relacionados à forma como os gestores se relacionam com a sociedade e com os grupos de pressão. “Para muita gente, se temos um rol de ações inovadoras, tanto faz o partido, mas eu digo que não é bem assim. Como gestor, além de saber o que tenho de fazer, também preciso definir aonde quero chegar”, defende.

Ela usa o caso da merenda escolar regionalizada como exemplo para lembrar que a inovação não está apenas na decisão de comprar produtos da região, mas envolve também o tipo de produto que será comprado para alimentação das crianças. “É uma questão de escolha, uma decisão política: compro produtos mais baratos, porque são para alunos de escola pública, ou invisto um pouco mais em alimentos orgânicos, porque isso depois repercute para quem produz os orgânicos e para quem os consome?”

Talvez um exemplo do que dizem Veronika e Rombauer seja o do Programa Mãe Canguru [1], desenvolvido em Pernambuco e premiado pelo Ceapg em 1997. O método Canguru nasceu na Colômbia e promove o contato físico direto entre os pais e seus filhos recém-nascidos, em geral prematuros, para regular suas temperaturas corpóreas e aumentar suas chances de sobrevivência.

A ideia em si é simples. A inovação surgiu do fato de ter sido adotada como política pública, com um custo baixo e a participação dos próprios pais e de profissionais de saúde de diversas especialidades. “Essa foi uma ação com um grande impacto na qualidade de vida das famílias e que recebeu outros reconhecimentos, além do prêmio do Ceapg. Acabou virando um programa do Ministério da Saúde brasileiro e foi encampado pela Organização Mundial da Saúde, que o dissemina para todos os cantos.”

O fato é que trabalhos como o do Ceapg demonstram que existe uma enorme capacidade criativa Brasil afora. Mostram também que os processos de inovação concebidos e implementados com participação de diversos setores da sociedade têm mais possibilidades não apenas de ser implantados, mas de terem continuidade, independente da alternância de governos.

Mais dicas úteis para os administradores municipais podem ser acessadas no site do Instituto Pólis.
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Um Brasil que funciona
O Programa Gestão Pública e Cidadania foi lançado em 1996 pela FGV em parceria com a Fundação Ford. Logo depois recebeu apoio do BNDES. Nos dez anos que o programa durou, foram registradas mais de 8 mil experiências de inovação em gestão pública de todo o Brasil, nos âmbitos municipal, estadual e também de comunidades indígenas.


A cada ano, 20 dessas experiências eram reconhecidas por meio de um prêmio e de visibilidade, com a participação em publicações: Histórias de um Brasil Que Funciona e Vinte Experiências de Gestão Pública e Cidadania. Os pesquisadores do Ceapg estão agora fazendo um acompanhamento de algumas das iniciativas premiadas, mas todas elas estão disponíveis para consulta aqui.

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