sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A moratória da soja e o desmatamento da Amazônia

Ontem foi anunciada, pelo Ministério do Meio Ambiente, a prorrogação da moratória da soja até 2013. Isto significa que o acordo feito em 2006 entre exportadores do grão, governo e ONGs , de não comprar soja de novas áreas desmatadas na Amazônia, previsto para durar um ano, foi novamente estendido, desta vez até 2013.

A prorrogação foi justificada pelo Ministério pelo aumento da área desmatada para cultivo da soja. Então, a moratória está atingindo seu objetivo?

O que é a moratória da soja

Moratória da soja é o nome que recebeu o pacto ambiental havido entre as entidades representativas dos produtores de soja no Brasil , ongs ambientais e, mais tarde, do próprio governo, prevendo a adoção de medidas contra o desmatamento na Amazônia . Inicialmente teve o prazo de duração de dois anos a contar de 24 de julho de 2006.

O pacto firmado entre essas entidades e que prevalece até hoje é voluntário e determina que as empresas comercializadoras / exportadoras de soja não comprarão o grão originário de áreas de desmatamento na Amazônia.

Em 2008, o Ministério do Meio Ambiente subscreveu a moratória. Nesse mesmo ano, ela foi estendida até 2009, depois até 2010, 2011 e, agora, até 2013.

A verdade é que o desmatamento na Amazônia vem aumentando, e ele ocorre justamente para o plantio da soja. Para alguns especialistas, a constatação desse aumento decorre muito mais de um sistema de monitoramento mais aperfeiçoado, via satélite, que consegue “enxergar” zonas de desmate em propriedades menores, até 100 hectares. Por isso, a moratória vem sendo renovada e ampliada, com mais propriedades fazendo parte da relação daquelas das quais os comerciantes não compram o grão.

A moratória é gerida pelo Grupo de Trabalho da Soja (GTS), por exportadores, governo e ONGs. Compõem o grupo empresas associadas à Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e à Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), Ministério do Meio Ambiente, Banco do Brasil e ONGs como a Conservação Internacional, Greenpeace, IPAM, TNC e WWF-Brasil.

Desmatamento aumentou

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) tem divulgado dados que indicam o aumento do desmatamento para a soja na Amazônia em 86%, este ano, em relação a 2010. Números publicados na Folha de hoje dão conta de que a área desmatada com soja subiu de 6.295 hectares em 2009/2010 para 11.698 hectares em 2010 /2011.

Para o Ministério do Meio Ambiente, a discussão na Câmara sobre a reforma do Código Florestal levou a um pico de devastação no primeiro semestre, porque os debates teriam criado no setor produtivo a expectativa de anistia aos desmatamentos ilegais.

Para diminuir a fonte de pressão sobre o Código Florestal é que o GTS optou por prolongar a moratória.

Código Florestal e cadastro fundiário


De fato, no momento em que o Senado discute a nova lei florestal, é importante que os senadores saibam que um grupo expressivo do agronegócio não quer mais desmatamento. A moratória tem, então, esse efeito sinalizador.

O GTS também está preparando um programa de incentivo ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) na Amazônia para orientar e sensibilizar o produtor rural sobre a necessidade e de adequação à legislação. Por meio do CAR, as fazendas tornam-se visíveis ao satélite e, portanto, ao monitoramento. Para obter o CAR, o produtor precisa atestar, entre outros fatos, de quem comprou a terra, mostrando registros de cartórios e esses documentos nem sempre estão disponíveis. Por isso, o cadastro não avança com a velocidade necessária e desejada para garantir uma soja livre de desmate.

Para onde caminha a moratória?

Num cenário de crise internacional e de possível queda nos preços das commodities, a moratória poderá ter sucesso? Algum exportador vai deixar de ganhar dinheiro em favor da preservação da Amazônia?

Essas perguntas estão sendo feitas por muita gente. E elas realmente mostram o dilema da moratória da soja.

Existe pressão aqui dentro e lá fora pelo fim do desmate na Amazônia. Isso faz com que compradores europeus, por exemplo fazerem questão do CAR para adquirir a soja brasileira. Os chineses, no entanto, não fazem exigências ambientais.

Internamente, a sociedade pressionou a Câmara pela não aprovação do novo Código Florestal e, agora, volta-se ao Senado para que essa casa não retroceda nas leis que protegem nosso patrimônio natural.

Nesse cenário, os participantes do GTS vêm resistindo bravamente, renovando a moratória e trabalhando para que os produtores regularizem suas propriedades, trabalhem dentro da lei e tornem-se os elos da preservação do bioma amazônico.

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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A Lei Geral da Copa e os interesses dos brasileiros

Junto com a polêmica sobre os gastos com as obras, outro tema vem ganhando vulto nos noticiários sobre a Copa 2014. Trata-se da chamada Lei Geral da Copa, que regula preços dos ingressos, marcas dos patrocinadores e outras medidas exigidas pela FIFA para a realização desse evento no Brasil.

O texto foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo Executivo em 14 de setembro e já está sendo apreciado por uma comissão especial da Câmara.

Não agradou a FIFA e nem à sociedade civil brasileira organizada em torno da defesa dos interesses nacionais nesse evento. Os pontos de discórdia não são "picuinhas", eles dizem respeito a direitos duramente conquistados por todos os cidadãos brasileiros. Vamos entender um pouco sobre o assunto.

Contexto


Desde que os tempos da Taça Jules Rimet, existe um acordo entre o país-sede da Copa do Mundo e a entidade máxima desse esporte, a FIFA. Até o campeonato no Chile, em 1962, esses acordos eram mais simples. Limitavam-se a compromissos de segurança, hospedagem adequada para as delegações, bem como estádios que comportassem um bom público. Os países construíam, no máximo, um estádio maior, que serviria para a final da Copa. O Maracanã, por exemplo, foi feito especialmente para a Copa de 50. Em Belo Horizonte, um das sedes na época, os jogos foram disputados no antigo estádio do Atlético Mineiro, que apenas recebeu pintura nova.

Em 1966, na Inglaterra, com o início das transmissões ao vivo, via satélite, as negociações entre a FIFA e o país-sede tornaram-se mais complexas, envolvendo direitos de transmissão e de imagem. De 1970 até 1998, a FIFA entrou firme no marketing e, a título de defender a “marca” Copa do Mundo, passou a exigir compromissos dos países-sede que, muitas vezes, feriam a legislação local. Nos anos 1990, o futebol tornou-se o esporte midiático por excelência, cujas transmissões por TV atingiam qualquer canto do planeta. A Copa, o momento máximo desse espetáculo, virou uma empreitada, sob rígido controle da FIFA que, a partir de 2002, passa a definir as dimensões e características dos estádios, o preço dos ingressos, a cerveja vendida durante os jogos e até o tipo de repressão desejável contra a venda de produtos piratas.

Em resumo, o investimento é feito para atender prioritariamente as necessidades financeiras da FIFA. Os interesses dos países e do próprio futebol estão em segundo plano.

Como na maioria dos países-sede existe democracia, essas exigências precisam passar pela votação no Congresso. Assim, elas são reunidas num corpo jurídico que no Brasil recebeu o nome de Lei Geral da Copa.

Dois exemplos

Nos países onde a sociedade se mobilizou, esse regulamento (vamos chamar assim) ficou mais parecido com o interesse do país. Ao contrário, quando a sociedade não se impôs com suas demandas, a Lei Geral da Copa passou por cima até mesmo das constituições nacionais.

Na Alemanha, em 2006, o Congresso não permitiu que a FIFA monopolizasse a venda de cerveja nos estádios. Alegando que essa bebida é um patrimônio alemão, com características arraigadas em cada região do país, o governo alemão não aceitou a exigência de só vender nos estádios (e no entorno), nos dias de jogo a marca patrocinadora da FIFA. Com relação a obras nos estádios, as autoridades alemãs exigiram que a final fosse realizada no Estádio de Berlim, que tem parte de sua estrutura interna tombada como patrimônio histórico. De todas as mudanças exigidas, a única possível era cobrir o estádio, mesmo assim, fora dos padrões da FIFA, pois algumas vigas cobriam a visão dos assentos próximos a elas. Mas, valeu a vontade das autoridades alemãs. A final da Copa de 2006 foi jogada no estádio de Berlim.

Na África do Sul, as autoridades aceitaram até restringir as liberdades individuais de seus cidadãos durante a Copa – o que fere a atual constituição do país. Quem fosse pego com produtos piratas poderia ficar preso sem processo até o final da competição.

E o Brasil?

O texto da Lei Geral da Copa já está no Congresso e deve ser aprovada só no ano que vem. O Governo Federal e a Fifa esperavam que a legislação entrasse em vigor até o fim do ano. Mas ela traz muitos temas polêmicos que precisam mesmo ser discutidos não só no Congresso, mas na sociedade. Até que ponto o Brasil deve aceitar as normas da Fifa para organizar o evento? A resposta a essa pergunta vai implicar numa lei mais ou menos voltada aos interesses da cidadania.

O primeiro tema polêmico diz respeito ao preço dos ingressos. O projeto de lei garante à Fifa a determinação do preço dos ingressos. Mas, a partir daí, valem as leis brasileiras que determinam meia entrada para idosos e estudantes, uma diferença de 100 milhões de dólares na arrecadação que a Fifa não quer arcar. Por isso, está exigindo que se especifique na lei a não-vigência da meia entrada durante a Copa. Para isso, seria preciso alterar o Estatuto do Idoso.

Para estudantes, Estados e municípios é que têm o poder de decidir.

A Fifa quer limitar os chamados “ingressos populares” a uma porcentagem sobre o total de ingressos que espera vender. O Brasil quer que essa porcentagem seja em função da capacidade de público dos estádios. Argumenta que nas últimas três Copas, a Fifa precisou distribuir ingressos gratuitamente, pois não conseguiu vendê-los a turistas.

Outro ponto polêmico é a “venda casada” (hospedagem, transporte aéreo e ingressos para as partidas), vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Também está em discussão a venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Pelo Estatuto do Torcedor de 2003, ela não é permitida. A Fifa não só quer quebrar essa norma, como quer impor apenas a venda da marca, patrocinadora da entidade.

Os debates já começaram no plenário e na sociedade. É preciso lembrar que, são os cidadãos brasileiros que estão pagando essa festa e dela têm o direito de participar.

É aceitável a ingerência de um ente privado internacional em assuntos domésticos que dizem respeito à maneira como uma sociedade escolhe enfrentar seus problemas?

O Brasil vem obtendo crescente influência no cenário internacional, justamente por estar enfrentando de maneira inovadora e positiva a “visão de mundo” que privilegia os negócios em detrimento dos direitos sociais e da soberania dos países. A Copa é um momento emblemático para demonstrar que a Fifa não pode interferir na vida institucional de um país, seja ele qual for.

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