sexta-feira, 20 de maio de 2011

Encontro anual do Pacto Global, braço empresarial da ONU

Terminou nesta sexta-feira (20/5), em Copenhague, na Dinamarca, a Semana do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), em que se realizaram o 9º. Fórum Anual das Redes Locais e também o Encontro Anual do Pacto Global.

O 9º. Fórum Anual de Redes Locais é um encontro mundial que visa a troca de experiências entre as redes locais do Pacto Global a a avaliação do engajamento dos grupos e dos avanços em sustentabilidade nas empresas. Este ano, no entanto, esse fórum teve três objetivos: fazer uma avaliação das redes em 2010, preparar o grande Encontro das Redes Locais a ser realizado no Rio de Janeiro, em 2012, e organizar o posicionamento do Pacto Global para a Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável.

Para entender a importância desse evento e, mais do que isso, da iniciativa da ONU em mobilizar empresas, vamos destacar alguns fatos e contextos.

O que é o Pacto Global (Global Compact). Trata-se de uma iniciativa desenvolvida pela ONU com o objetivo de mobilizar a comunidade empresarial internacional para a adoção voluntária, em suas práticas de negócios, de valores fundamentais e internacionalmente aceitos nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Tais valores estão refletidos em dez princípios que foram adaptados a partir de tratados internacionais assinados pelos países-membros da ONU, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as convenções sobre trabalho decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os protocolos ambientais do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e, mais recentemente, os pactos anticorrupção.

A adesão das empresas a esses princípios representa o compromisso voluntário delas com a sustentabilidade e a agenda da ONU.

Como funciona. O Pacto Global pede ações das empresas relacionadas a direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção e dá dois anos de prazo antes de elas informarem, por meio de uma comunicação de progresso (COP), a aplicação e a evolução dessas ações nesses temas.

A partir da avaliação dessas comunicações, o Pacto Global classifica as empresas, quanto à adesão a seus princípios, em quatro estágios (programa de diferenciação): Iniciantes, Ativas, Avançadas e Blueprints (Exemplares).

Quantidade x qualidade. De 2001 a 2010, 8.000 empresas de 135 países tornaram-se signatárias do Pacto Global da ONU. Em 2010, esse número baixou para 6.000, porque o Pacto Global realizou uma avaliação mais rígida e retirou a adesão daquelas empresas que não apresentaram relatório de progresso. Fez isso para dar mais credibilidade ao processo de mobilização e engajamento que ele promove e também para garantir crescimento com qualidade. Em 2010, também ficou decidido que o prazo para apresentação da primeira COP será de um ano, e não mais de dois.

2011. A Semana do Pacto Global, em Copenhague, reuniu 500 representantes de empresas e entidades de mais de 100 países para avaliar o estágio e o envolvimento das empresas com a gestão sustentável.

Constatou-se que as ações cresceram em número e qualidade, mas ainda há um grande desafio a vencer: as empresas efetivamente comprometidas com a sustentabilidade ainda são poucas –aproximadamente 5% das existentes no mundo.

Para ampliar o número de empresas de fato mobilizadas em favor da sustentabilidade, há pelos menos dois grandes desafios que o Pacto Global precisa enfrentar.

O primeiro é provar que as empresas já mobilizadas praticam a gestão sustentável por exemplos concretos. Por isso, aumenta a importância das comunicações de progresso. Mas não só isso. Algumas ações precisam ter incentivo especial para serem adotadas em nível global. Uma delas é a integração do balanço financeiro com o balanço socioambiental. Outra ação sugerida é intensificar a demanda aos organismos financeiros internacionais de usar critérios socioambientais baseados nos princípios do Pacto Global para definir seus investimentos. No campo dos direitos humanos, é preciso ampliar a diversidade nos quadros funcionais das empresas.

O segundo grande desafio do Pacto Global é passar do discurso à prática. No Brasil estamos avançando na plataforma por uma economia que pretende integrar os temas sociais, ambientais e éticos e os diferentes atores – empresas, trabalhadores, sociedade civil e governos –, visando a construção de uma agenda que conduza a uma nova economia.

Nesse sentido, a Rio+20 foi considerada fundamental para a consolidação dessa agenda.

Rio+20. A Semana do Pacto Global em Copenhague terminou com uma série de debates sobre a Rio+20, que vai se realizar no Rio de Janeiro, em junho do ano que vem.

As empresas do Pacto Global entenderam que elas devem impulsionar os governos dos respectivos países a virem com planos mais concretos para essa conferência. O que seriam esses planos? Não apenas sugestões vagas para acordos, mas ações que possam ser adotadas globalmente de forma a contribuir para a transição para uma nova economia. Ações em setores econômicos estratégicos, em mudança de comportamento e em educação e cultura. A proposta é que a Rio+20 apresente, ao final, uma agenda para a humanidade orientar-se na construção de outra civilização.

A expectativa pela liderança brasileira é altíssima. Os participantes aqui em Copenhague afirmam que não sentem em nenhum outro país (entenda-se por país a soma de governo, sociedade civil, empresas e trabalhadores) a disposição para de fato agir na direção do desenvolvimento sustentável e entendem que o Brasil pode ser a liderança desse movimento.

Por isso, em junho de 2012, antes da Rio+20, o Pacto Global vai realizar seu fórum anual no Rio de Janeiro e o Instituto Ethos será parceiro dessa iniciativa.

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Redes sociais, transparência e a responsabilidade social de cada um de nós

César Viana*, especial para o SESI

Há um fenômeno que chama a atenção pela quantidade de gente e de marcas envolvidas. As redes sociais on-line surgiram no início do século e transformaram-se em espaços públicos de convivência. Já são consideradas assim por alguns autores: como as praças ou as ruas, parte da esfera pública. Tudo isso tem a ver com as características dos novos meios, que são capazes de assimilar e redistribuir qualquer coisa em formato digital. Começam a se esfumar muitos tipos de fronteiras e a transbordar novos métodos e conexões.

As pessoas se identificam com alguns serviços da web social e passam a expandir suas identidades em ambientes on-line. A expressão pessoal é característica básica dos humanos. Fossem nos desenhos das cavernas, nos milênios de cultura oral ou nos diários das adolescentes, que ajudam a explicar o cotidiano do século XIX. Ainda há muito que se registrar.


Ultimamente, uma imensa fonte de etnografia, antropologia, sociologia ou de história se armazena em relatos voluntários feitos em diversos recantos da internet. Há múltiplos tipos de expressões e de análise de manifestações culturais.

A quem pertence o conteúdo publicado nas redes sociais e como preservar esse patrimônio imaterial espontâneo? Quanto geram de renda esses novos fluxos e recursos de comunicação? Como organizar tanta informação e produzir conhecimento? E, principalmente, como participar dessas novas indústrias de mídia e de suas interconexões – a chamada transmídia?

Está cada vez mais simples manipular imagem e som. O audiovisual se capta ou se reproduz a partir de aparelhos portáteis ou inclusive táteis. Transmitir algum evento ao vivo para qualquer parte do mundo é “praticamente grátis”. Algo impensável há poucos anos. Basta um celular ou qualquer aparelho que acesse internet e já somos potenciais agentes de mídia. Mas como isso se reverte em benefícios para as pessoas, empresas ou outras instituições?

Jornalismo cidadão
Apesar de que apenas 25% da população mundial tem acesso à internet, há maior facilidade de mobilização e de encontro de afinidades e de interesses. As rebeliões e mudanças no mundo árabe ou os relatos dos moradores durante a retomada do Morro do Alemão ilustram essa realidade.

A partir da união de saberes, o jornalismo reformula-se devido à capacidade de interação e cooperação com o público. Aliás, a comunicação de massa nunca foi tão apropriada pelas massas. Como o jornalismo de dados aplica-se a este mundo midiático? Quais as bases para moldar os parâmetros e as políticas editoriais que representam as comunidades e suas diversidades?

Com igual intensidade e vigor colaborativo, os consumidores também possuem variadas chances de contato com a rede de clientes de uma determinada marca, empresa ou instituição. Antes de decidir uma compra, sempre há comentários abertos para qualquer um se certificar se a compra vale a pena ou não. Daí, a corrida por assimilar novos tipos de relacionamento com o cliente.

Nos últimos anos, pesquisei as redes sociais como reforço para a comunicação comunitária, cidadã, alternativa, popular, social… Há vários nomes. O resultado é uma tese doutoral defendida na Universidade Autônoma de Barcelona. Com a ajuda de Anabel Rami, profissional de pesquisa de mercado pela UOC, elaboramos um questionário para saber detalhes de usos e tendências. Ao anunciar em redes sociais o link para a pesquisa, houve certa mobilização nas redes sociais.

Quem respondia, também convidava os amigos e assim chegaram a 779 pessoas de 31 países em duas semanas. Desse total é possível observar – com uma margem de erro de 6% a 8% – as opiniões do Brasil, México e Espanha, os países que mais participaram. Um indício claro de cultura de participação e de colaboração.

Pesquisa de opinião
Entre os entrevistados: 97% acessam a internet várias vezes ao dia. Desses, 85% também verificam várias vezes ao dia as redes sociais que participam. Este número é mais alto no México: 92%, na Espanha vai a 89%, e no Brasil é de 81%.

Quando perguntados se antes de aderir leem as políticas de privacidade, 46% dos brasileiros afirmam que não. Na Espanha, este número é de 24%, e no México 37%. A privacidade – termo que existe há poucas décadas em português – não era tema do estudo.

Todo mundo tem algo a dizer em público e este é o principal foco do estudo. Por exemplo, os alunos de uma escola resolvem publicar um jornalzinho onde mostram as medalhas que os alunos ganharam no futebol. Num programa de rádio por podcast, talvez a mãe de um desses alunos passe a receita de um dos salgadinhos que vende na cantina. Isso pode ser veiculado no entorno da escola ou para o mundo inteiro. Depende da decisão dos alunos, pais e pedagogos.

Cartões de visita
É comum que as pessoas se apresentem espontaneamente por meio da web social. Os mexicanos são os que mais adicionam desconhecidos às suas redes: 69%. No Brasil, este índice é de 66% e, na Espanha, ainda cai em dez pontos: 56%. Mesmo assim continuam sendo altas as margens de aceitação de convites de estranhos.

Como exemplo, imaginemos uma feira de negócios onde as pessoas trocam cartões de visita. As redes sociais funcionam mais ou menos assim. Facilitam diversos tipos de conexões e relacionamentos. Mas como as pessoas consideram os seus contatos em redes sociais?

Um total de 59% diz que são amigos e familiares. Outros 58% acham que os “seguidores e seguidos” são fontes de informação para saber do que acontece. Um dado interessante aparece nesta pergunta, que contabiliza as três opções mostradas: 46% assimilam os contatos como sendo “meu público e se interessam pelo que comento ou publico”.

Apesar da febre dos Smartphones, no Brasil ainda se usa pouco o celular para acessar a internet. Apenas 34% afirmam usar este tipo de serviço nos celulares. Os mexicanos são os que mais usam o telefone para se conectar à rede: 64%, enquanto que na Espanha são 56% com acesso via telefone móvel. Do total de entrevistados, 8% já usam funções de realidade aumentada em seus aparelhos. Os dados da ONU indicam que os celulares são parte do caminho mais rápido e mais aceito pelas pessoas.

Os resultados completos e as análises teóricas da tese são de livre acesso para consulta em e-book (veja como no fim deste artigo). Demonstram os detalhes da manipulação voluntária de meios de comunicação
e da formação de audiências segmentadas. O sentimento de nação, por exemplo, reforçou-se quando os primeiros jornais foram lançados. O público-leitor identificava-se e assim se configuravam conjuntos de opiniões.

O que há de diferente agora é a capacidade de convivência em tempo real entre as pessoas. São fãs, bloggers, gamers, “prosumidores”, gente comum que se interliga naturalmente umas às outras. A massa mostra sua cara, enfatiza intenções e compartilha habilidades e saberes.

Os dados e teorias analisadas também indicam o potencial para que se estabeleçam agências cidadãs de comunicação entre os usuários desses sistemas informáticos. Desde que se considerem as identidades, as características socioculturais e sejam niveladas as oportunidades de acesso e de uso dos novos meios, também haverá espaço para a inovação nas indústrias de comunicação.

Ensino de mídia
O ensino de mídia favorece esse intuito. A capacitação para o uso de mídia e para os novos meios precisa estar ao alcance de todos. A Áustria é um exemplo nesse sentido. Desde 1973, os alunos da rede pública de ensino aprendem sobre comunicação social. Hoje, 100% das escolas públicas recebem material didático para ensino de mídia. É o único país com este índice. As crianças aprendem sobre edição de imagem, texto e vídeo e participam de programas de rádio em rede nacional.

No Brasil, há exemplos de recuperação de tradições e saberes com vídeos feitos por cineastas indígenas. Contam mitos e histórias pessoais, além de fazer mobilização e jornalismo entre as comunidades e o mundo. Os representantes das pequenas e médias empresas juntam forças para participar do pujante comércio eletrônico brasileiro. Também há fundos especializados no desenvolvimento de projetos tecnológicos inovadores e apoio à conexão de saberes.

A Espanha, apesar de não haver política pública específica de ensino de mídia regularizada, possui um exemplo interessante. A Fundação Bip Bip começou reunindo voluntários para ensinar informática a pessoas em risco de exclusão social. Hoje, a fundação desenvolve projetos que pretendem mudar o jeito como as empresas investem em publicidade e em responsabilidade social.

Existem outros modelos de união popular organizada como agência de informação baseadas em plataformas on-line, como Ushahidi, Topobiografies, IndyMedia ou OhMyNews, entre tantos outros tipos e aplicações – principalmente com o uso de mapas. Somos os responsáveis por criar os moldes da internet; também está em nossas mãos a administração das cidades inteligentes.

Módulos
A partir das bases teóricas e das análises dos dados da pesquisa de opinião, a sugestão é criar modelos de agências cidadãs de comunicação que se complementem e se reconheçam em módulos. Sempre há que se considerar os parâmetros de cada comunidade. Simultaneamente, formam-se conselhos comunitários especializados para definir as características editoriais, sejam elas de texto, áudio, audiovisual e/ou animação. Os vizinhos de cada bairro ou comunidade escolhem as maneiras de se ganhar visibilidade ou de se fazerem representados.

A elaboração de uma agência cidadã de comunicação demandaria espaços e serviços informáticos específicos para, por exemplo, emular o planeta e fazer funcionar todas as funções necessárias. É preciso definir, testar e usar serviços de transmissão e reprodução instantâneas. As características editoriais e informáticas serão decididas melhor em colaboração coletiva. As experiências bem-sucedidas dos projetos coletivos do BarCamp em vários países servem de norte.

Diversidade cultural
Quando alguém “viajar” pela Terra a partir de mapas livres, também vai conhecer as pessoas que se apresentam como membros desses esforços cidadãos de comunicação. Imagine navegar pelo Brasil e ir aos bairros de qualquer cidade e conhecer os moradores para saber das histórias pessoais, dos costumes, da culinária e de tantas outras coisas que se aprendem uns dos outros! Temos a liberdade de conversar uns com os outros como um princípio, ainda que seja só para perguntar onde fica uma rua ou que horas são.

Talvez algum dia as escolas possam marcar aulas conjuntas entre crianças de Minas Gerais e as do Xingu por videoconferência. Existem os meios e os recursos, falta determinar as formas cidadãs que melhor representam as comunidades e a diversidade cultural. Há memória computacional suficiente para registrar e divulgar milhões de horas de vídeo, áudio, texto ou qualquer outra forma de expressão. Uma época de ouro para a visibilidade, a promoção, a organização de manifestações e narrativas populares.

A web semântica e a internet das coisas começam a engatinhar e dentro de pouco tempo usaremos computadores como usamos as mãos, as roupas ou nossos sentidos. Há soluções fáceis e eficientes para ajudar as pessoas a expressar seus pontos de vista ou a ter acesso aos recursos para se obter maior participação democrática e direito à informação. Depende de cada um de nós.

***

A informação completa com as referências teóricas e a pesquisa de opinião com as características de uso e tendências das redes sociais no Brasil, México e Espanha estão disponíveis em e-book em: http://issuu.com/cesarviana/docs/uab_socialmedia.
* César Viana é jornalista formado pela UFJF, mestre e doutor em comunicação audiovisual e publicidade pela Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha.

Fonte:
Mercado Ético

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terça-feira, 17 de maio de 2011

Por que as empresas devem implementar a sustentabilidade em seus processos de negócio?

por Julianna Antunes

Quando escrevi o paper Sustentabilidade 3.0 – a proposta de um novo modelo de gestão empresarial (quem quiser lê-lo, basta assinar a newsletter da Agência de Sustentabilidade e depois mandar um e-mail pedindo o paper), tratei da evolução do conceito e mostrei um pouco da importância de inseri-lo hoje nos processos de uma empresa. Mostrei como as áreas de negócio podem se beneficiar da sustentabilidade.

No paper fiz uma tabela meio que superficial e um tanto quanto óbvia que mostrava o benefício macro de se incorporar o conceito a cada um dos processos. Só que agora quero me aprofundar nesses benefícios e peço ajuda de vocês. Já tenho vários deles mapeados, mas acho que sempre é possível encontrar mais, principalmente quando se tem diversos olhos com diversas experiências olhando para a mesma coisa.


Assim, compartilho aqui com vocês a primeira tabela feita e deixo o post aberto a sugestões. Pensando micro e não macro respondam: por que elas devem implementar a sustentabilidade em seus processos de negócio?


Fonte: blog Sustentabilidade Corporativa

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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tecnologia, trabalho e valores

Uma das grandes conquistas da sociedade industrial foi a divisão das atividades de um dia em jornadas de 8 horas, sendo a jornada semanal de trabalho de 40 horas, e o descanso, de 48 horas.

Quando, nos anos 1990, a revolução tecnológica tornou-se uma realidade cotidiana, dizia-se que o ganho de produtividade na indústria abriria milhões de oportunidades no setor de serviços e este, também beneficiado pelas inovações tecnológicas, poderia oferecer o melhor dos mundos aos trabalhadores: jornada menor, oportunidade de estudar e de passar mais tempo com a família e os amigos.

Hoje, já ultrapassando a primeira década do século 21, vemos ocorrer justamente o contrário desta “utopia”: a tecnologia, em vez de libertar, tornou as pessoas cativas das atividades profissionais, com a jornada de trabalho avançando sobre qualquer tempo “livre” do profissional.

Na verdade, parece que estamos no limiar de uma era em que o tempo pessoal e o período de trabalho vão ficar tão misturados que será difícil distinguir um do outro. Esta era já tem nome: era do trabalho imaterial ou intelectual, cujos empregos são gerados pelo setor de serviços e cujas funções podem ser desempenhadas de qualquer lugar, a qualquer hora. A produtividade depende, claro, da tecnologia, mas igualmente do conhecimento.

Ainda não existem pesquisas em larga escala sobre as conseqüências desta mudança de paradigma no mundo do trabalho. Há, no entanto, estudos isolados, feitos nos EUA e na Europa, que trazem alguns dados importantes, como relatados na matéria de capa da revista Carta Capital desta semana.

Na Inglaterra,o descanso semanal caiu de 48 para 27 horas. Uma pesquisa da Universidade de Uppsalla, na Suécia, constatou que apenas 24% dos trabalhadores de 15 maiores países da União Européia cumprem jornadas regulares de trabalho – fora de horários noturnos, nos fins de semana ou em regime temporário. Os profissionais autônomos são os que têm as jornadas mais irregulares.

Nos EUA, 77% dos trabalhadores lêem emails à noite e 35% respondem demandas de trabalho quando estão com os filhos.

No Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) deve realizar, em breve, um pesquisa sobre o impacto da tecnologia no trabalho. Ainda não temos dados oficiais, mas sabemos, pela nossa própria experiência, que qualquer profissional de qualquer área trabalha nos finais de semana ou atende celular durante um jantar em família, não é mesmo?

Ainda que tenhamos os resultados apenas de outros países, é possível fazermos uma reflexão sobre este fenômeno, sob o ponto de vista da RSE.

Do ponto de vista profissional, se o tempo pessoal está misturado com o do trabalho, não há mais possibilidade de se dividir a vida em dois momentos, como fazíamos até agora: o de ganhar dinheiro e o de usufruir desse dinheiro durante o lazer ou descanso. Então, o trabalho precisa trazer muita satisfação; é cada vez mais fundamental gostar do que se faz, para o trabalho não virar uma permanente tortura.

Sob o ângulo da empresa, é preciso considerar que o tempo pessoal do funcionário está misturado com o do expediente e lidar com esta situação que tem reflexos não só nos negócios, mas na sociedade.

O sociólogo e escritor norte-americano Richard Sennett tem um livro sobre o que ele chama de “mundo do trabalho no novo capitalismo” que recebe o impacto não apenas das tecnologias, mas da globalização. O livro se chama “A corrosão do caráter” e nele, Sennett avalia as conseqüências dessas vertentes sobre o ser humano. Para ele, há dois efeitos mais evidentes. Em primeiro lugar, de ordem existencial, vamos dizer assim. Com o “tempo do emprego” invadindo todas as esferas do cotidiano, a vida emocional fica em segundo plano. E, sem vida emocional significativa, o ser humano não consegue desenvolver e assimilar valores. Outra conseqüência desta situação é o isolamento que promove um individualismo extremado.

O trabalho on line exige pouca ou nenhuma interação social. O profissional passa o dia na frente de uma tela, no máximo conversando via celular ou skype com outros profissionais que não conhece. Nada daquele papo sobre o fim de semana, a família, enfim, as conversas informais tão importantes na vida de qualquer ser humano, pois estabelecem vínculos emocionais, criando e consolidando valores como lealdade, compromisso, amizade, companheirismo. Retirado desde convívio e posto em lugar solitário, este profissional torna-se também imediatista, impaciente e sem visão da coletividade.

Como superar esta situação? Pelos valores. São eles que vão unir trabalho e emoção. E para fazer esta junção é que a gestão responsável torna-se imprescindível, pois ela é orientada por valores, transparência e diálogo com os públicos impactados pelas atividades do negócio. Valores, transparência e diálogo tornam o ser humano menos individualista, porque o fazem sentir-se “pertencendo a algo”; com isso, torna-se capaz de “perceber o outro” e construir empatia e visão mais coletiva do mundo.

Este sentido de pertencimento pode ser desenvolvido por meio de ações que promovam as relações sociais.

Mais do que esta “invasão”, no entanto, o maior dilema trazido pela tecnologia ainda não tem solução: como absorver bilhões de trabalhadores no mundo todo, nos próximos anos, se a tecnologia, mesmo com mais produtividade, não criou novos postos de trabalho; ao contrário, aumentou a jornada?

A sociedade, junto com as empresas, precisa refletir sobre esta questão e encontrar talvez mais de uma solução que pode significar a criação de novos direitos, civis e trabalhistas, que garantam renda e ocupação para os bilhões de profissionais do futuro, bem como uma sociedade sustentável.

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