segunda-feira, 19 de março de 2012

Delação premiada para empresa corruptora?

Por Paulo Itacarambi, vice-presidente do Instituto Ethos

Ainda repercute na opinião pública a reportagem deste domingo (18/3), no programa Fantástico, da Rede Globo, na qual um repórter, fazendo-se passar por funcionário administrativo de um hospital público, recebe fornecedores de equipamentos para uma licitação de emergência. Ele recebeu propostas de suborno ao vivo.

O cidadão ou cidadã que assistiu ao programa deve estar se perguntando se dá para controlar essa corrupção. O empresário honesto e ético também não gostou do que viu. Afinal, o mercado não pode funcionar na base do “ou paga propina ou não vende”, pois, além de ilegal, essa prática acaba com a livre concorrência, o “coração” dos negócios.

Dá para controlar a corrupção, sim. Mas o Estado, a empresa e a sociedade precisam agir com maior efetividade para combater o problema.De que forma?
1. Aumentando e melhorando o controle e a fiscalização do Estado;
2. Melhorando os procedimentos da empresa para evitar e prevenir a corrupção;
3. Ampliando o controle da sociedade sobre as empresas e os órgãos públicos, com maior transparência.

O Projeto de Lei 6826, que prevê a aprovação da Lei de Responsabilização Civil da Pessoa Jurídica, também chamada de Lei Anticorrupção, ajuda a desenvolver essas três iniciativas porque:
- estabelece punição para a empresa, inclusive para companhias brasileiras que atuem fora do país, as quais não são responsabilizadas na legislação atual;
- separa a responsabilidade administrativa da responsabilização judicial, o que permite a adoção, por parte do Estado, de medidas como colocação no cadastro de empresas inidôneas e suspensão de acesso a créditos públicos e a licitações, bem como a aplicação de multas;
- com medidas administrativas imediatas e medidas judiciais mais duras, induz a empresa a estabelecer procedimentos mais rígidos;
- uma vez que obriga a manter atualizado o cadastro de empresas inidôneas, aumenta a transparência, a empresa que corrompeu não “some” e a sociedade pode pressionar.

Mais sobre o PL 6826

A aprovação do PL 6826 torna-se mais imprescindível a cada novo caso de corrupção que ganha destaque na mídia. Atualmente, a punição para empresas que cometem ilegalidades ocorre apenas depois do julgamento dos processos. Medidas punitivas imediatas recaem apenas sobre as pessoas físicas.

O PL 6826 estatui que as empresas terão responsabilidade sobre atos contra a administração. Isto quer dizer que o Estado não precisará comprovar a “intenção” de lesar. Basta mostrar que existe uma ligação entre a ação e o resultado dela. Na prática, quer dizer o seguinte: se uma empresa – e seu representante - é pega no ato de pagar suborno a um agente público, ela já será punida, cabendo provar ou não a “intenção” no processo judicial.

Em caso de condenação, as penas são mais duras, podendo, conforme o caso:
- atingir o patrimônio das pessoas jurídicas e obter ressarcimento por atos fraudulentos contra a administração pública;
- responsabilizar objetivamente a pessoa jurídica, afastando a discussão subjetiva sobre a culpa do agente na prática da infração;
- incluir a proteção à administração pública estrangeira, em decorrência dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em relação ao combate à corrupção, ao ratificar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (ONU), a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (OEA) e a Convenção sobre Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Ao assinar essas três convenções, o Brasil obrigou-se a punir de forma efetiva as pessoas jurídicas que praticam atos de corrupção. Por isso, é urgente e inadiável introduzir no ordenamento nacional a regulamentação da matéria. Em 2002, houve uma alteração do Código Penal que tipificou a corrupção ativa no comércio internacional, mas não atinge as pessoas jurídicas eventualmente beneficiadas pelo crime.

O que propõe o projeto de lei

O PL 6826 foi encaminhado ao Congresso Nacional pela Presidência da República em 2010 e, em novembro de 2011, constituiu-se a Comissão Especial que passou a analisá-lo. O parecer do relator, deputado Carlos Zaratini, introduziu algumas mudanças no texto original da lei.

Pelo substitutivo, as instituições condenadas ficarão impedidas de receber recursos públicos e de fazer contratos com a administração pública pelo período de um a cinco anos e pagarão multas variando entre 0,1% e 20% do faturamento bruto anual, excluídos os impostos. Caso não seja possível utilizar esse critério, será aplicada multa com valor entre R$ 6.000 e R$ 60 milhões.

De acordo com Zaratini, o percentual das multas está adequado aos critérios usados hoje pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Já a alteração dos prazos serve para fazê-los coincidir com aqueles estabelecidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A não adequação de valores e prazos a essas entidades poderia dar margem a recursos, quando a lei fosse aplicada.

Outra alteração permite que o Estado possa fazer um “acordo de leniência” com empresas acusadas de corrupção. Por meio desse acordo, a empresa que colaborar com a apuração de algum caso poderá se livrar de algumas punições previstas no PL 6826, como a declaração de inidoneidade e a proibição de receber recursos públicos e de fechar contratos com o Estado. Mas não ficará livre da multa.

Para ocorrer o acordo, é preciso que a empresa seja a primeira a manifestar interesse em cooperar e confesse qual sua participação no ilícito.

Outros pontos de destaque do novo projeto são:
- Será punida a empresa que interferir na atuação das agências reguladoras e órgãos de investigação e fiscalização, inclusive do sistema financeiro nacional.
- Executivo, Legislativo e Judiciário ficam obrigados, em todos os níveis, a manter atualizado o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas da Controladoria-Geral da União (CGU).

O relatório do deputado Zaratini deve ser aprovado pela Comissão Especial ainda neste semestre, em caráter conclusivo. Isto quer dizer que só irá a votação na Câmara se 10% dos deputados fizerem requerimento pedindo que o projeto passe no plenário. Se não ocorrer essa ação, o PL 6826 irá diretamente ao Senado.

A pergunta é se ao ser posta em prática a Lei de Responsabilização Civil da Pessoa Jurídica vai mudar a atitude das empresas em relação a seus representantes.

Para as empresas que já atuam de forma responsável, a lei certamente servirá de incentivo para aprofundar as medidas de caráter ético entre executivos e funcionários da própria empresa e da cadeia de valor.

Para aquelas que ainda não estabeleceram nenhum mecanismo de controle de conduta, será uma excelente oportunidade para tanto. Uma das boas práticas reconhecidas pelo mercado é elaborar um código de conduta e internalizar suas regras em todos os níveis da empresa, por meio de treinamento específico, palestras periódicas, reconhecimento de boas ações etc.

Um caminho para a empresa avançar é assinar o Pacto Empresarial pela Integridade e Combate à Corrupção, que hoje já tem 273 signatárias, bem como participar do Cadastro Pró-Ética.

Para a sociedade, a Lei de Responsabilização Civil da Pessoa Jurídica significa mais um instrumento que fecha o cerco sobre a corrupção no país, ao garantir a punição da pessoa física que cometeu o ilícito. Acompanhar e monitorar a sua aplicação pode representar um avanço no controle social do Estado pela sociedade.

19/3/2012

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quarta-feira, 7 de março de 2012

O papel social das mulheres no século XXI

Por Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos

Amanhã, dia 8 de março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher. É uma data marcada pelas conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, mas também pelos preconceitos que ainda permanecem.

As últimas décadas do século XX foram marcadas por várias transformações na sociedade, nenhuma tão marcante quanto a chamada “revolução feminina”. Dos anos 1960 em diante, as mulheres deixaram de ser apenas donas de casa para ocuparem o protagonismo social, econômico e político. Foram à escola, ganharam qualificação, disputaram o mercado de trabalho e hoje ocupam posições que há poucos anos eram consideradas “masculinas”. No entanto, o preconceito ainda se manifesta, e de maneira violenta até. São as mulheres, ao lado das crianças, as maiores vítimas da violência doméstica.

No caso brasileiro, o rápido processo de urbanização que o país conheceu nos últimos 50 anos promoveu uma grande migração do campo para a cidade. Com ela, a afluência de mulheres ao mercado de trabalho, tanto como empregadas quanto como empreendedoras que geram emprego e renda para outras mulheres.

Participação no mercado de trabalho

Como mostra a edição de 2010 da pesquisa Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas, ainda é grande a desigualdade entre homens e mulheres nas maiores companhias do país. No quadro funcional dessas organizações, por exemplo, as mulheres possuem uma parcela de 33,1% dos postos de trabalho. A participação declina à medida que sobe o nível hierárquico.: 26,8% na supervisão; 22,1% na gerência; e 13,7% no executivo. Note-se que, de acordo com o Censo do IBGE de 2010, as mulheres têm um número de anos de estudo superior ao dos homens e são maioria entre os brasileiros que atingiram 11 anos de estudo.

No entanto, além da sub-representação nas empresas, as mulheres ainda enfrentam desigualdade salarial em relação aos homens, quando exercem o mesmo cargo com as mesmas funções.

Isonomia salarial

Esse problema, no entanto, pode estar com os dias contados. Ontem (6/3), a Câmara dos Deputados deu um passo importante em favor da isonomia salarial entre homens e mulheres. A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH) aprovou, por unanimidade e em caráter terminativo, o PL nº. 130 /11. Esse projeto de lei acrescenta um parágrafo à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para determinar que considerar o sexo, a idade, a cor ou a situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional ou oportunidades de ascensão profissional importará ao empregador multa em favor do empregado correspondente a cinco vezes a diferença verificada em todo o período da contratação. O PL será transformado em lei e será mais uma importante ferramenta jurídica para garantir a igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Poder econômico
A equidade de gênero no mercado de trabalho é uma questão de justiça social. Mas não deixa de ser reflexo do “poder econômico” que elas vêm conquistando ao longo das últimas décadas.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular, divulgada também ontem, mostra que o número de empregos formais exercido por mulheres obteve um crescimento de 75% no ano passado. Para 2012, o estudo prevê que as brasileiras devem movimentar R$ 717 bilhões.

O estudo do Data Popular ressalta ainda que, como efeito dessa evolução econômica, o otimismo das mulheres é maior do que o dos homens. Ao comparar o momento atual com o ano passado, os homens se sentem mais infelizes. Mas a maior parte das mulheres acredita que o Brasil e o mundo vão melhorar em 2012, bem como a sua própria vida financeira, profissional e... amorosa.

Empreendedorismo

Talvez seja esse otimismo o impulsionador de outro comportamento da mulher brasileira, percebido por pesquisa: o empreendedorismo. Segundo levantamento realizado em diversos países pela consultoria Global Entrepreneurship Monitor (GEM), a mulher brasileira é hoje uma das que mais empreendem no mundo. Em 2011, entre os empreendedores iniciais, 50,7% eram homens e 49,3% mulheres, mantendo o equilíbrio entre gêneros no empreendedorismo nacional.

Somente em Gana o número de mulheres empreendedoras é maior do que o de homens. O Brasil ocupa a segunda posição, com 21,1 milhões de empreendedores, dos quais 10,7 milhões pertencem ao sexo masculino e 10,4 milhões ao feminino.

Quanto aos setores de atuação, as mulheres preferem, em 33% dos casos, atividades ligadas ao comércio varejista, com 20% no ramo da alimentação; 16% atuam em serviços domésticos(como empregadas ou como empreendedoras) e 12% na indústria de transformação.

Outras características do empreendedorismo feminino apontadas pelo estudo é que as mulheres têm melhor conhecimento do mercado, são mais preparadas, planejam melhor e sabem integrar melhor as atividades pessoais e profissionais, o que contribui para o maior sucesso dos empreendimentos liderados por mulheres.

Esse dia 8 de março pode, muito bem, representar a síntese da revolução feminina dos últimos 100 anos. Um movimento às vezes ruidoso, às vezes silencioso, que reposicionou a mulher na família, no trabalho e na sociedade. Com isso, família, trabalho e sociedade também mudaram e puseram na ordem do dia muitas perguntas que ainda não encontraram resposta:
- Como essa mulher se vê no atual momento político e econômico do país?
- Adiar o momento da maternidade para investir na carreira é uma boa opção?
- Com a vida profissional cada dia mais movimentada, dá tempo de cuidar da família e da saúde?
- Como essas novas empreendedoras se vêem e quais são suas perspectivas?

Que esse 8 de março impulsione essas discussões e coloque em foco projetos e programas que incentivem a promoção de uma sociedade cada vez mais igualitária e sustentável.

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