Por Vilmar Berna*, do Portal do Meio Ambiente
Houve um tempo, não muito distante, em que a sociedade não tinha quase acesso a informações sobre meio ambiente e sustentabilidade que permitisse fazer escolhas livres entre modelos diferentes de desenvolvimento. A tendência era reproduzir as escolhas pelo modelo tradicional, não sustentável. As informações, quando existentes, eram focalizadas mais nos aspectos da fauna e flora como se os seres humanos não fizessem parte da natureza. Ou então pareciam mais comprometidas com uma idéia de progresso a qualquer preço. Hoje, isso tem mudado, o que é ótimo, pois a vida é feita de escolhas e para escolher no rumo da sustentabilidade a sociedade precisa de informações e valores para a sustentabilidade.
Neste passado recente, apenas uma pequena mídia ambiental resistiu em sua missão de democratizar a informação socioambiental - e ainda continua resistindo -, sobrevivendo com muita dificuldade num cenário onde os maiores anunciantes são também os maiores poluidores e a palavra sustentabilidade, ainda é de difícil compreensão pela sociedade, além de carregar em si a ambigüidade de referir-se também unicamente aos aspectos econômicos da sustentabilidade.
Hoje, a informação ambiental é pauta freqüente nos grandes veículos de comunicação de massa e a cobertura cada vez é mais ampla, compreendendo a questão pelo viés da sustentabilidade e não somente do meio ambiente.
Entretanto, é importante considerar que as pessoas pensam de forma diferente e, por isso, a opinião pública não é um bloco homogêneo, mas que se divide em segmentos de interesse. Entre estes segmentos, está o das pessoas interessadas em meio ambiente e questões da sustentabilidade. Para este segmento de público, incluído digitalmente, e que já busca pela informação socioambiental, sabe onde e como procurar, ela é abundante na internet e depende cada vez menos de alguém para selecionar ou editar o que deve ou não ser lido. Hoje, existem serviços de busca, por exemplo, como o Google, que fazem bem o serviço de encontrar as informações sobre o tema escolhido disponível em sites, portais e blogs. E oferece ainda um sistema de alerta que envia direto para o email ou celular do interessado a informação atualizada sobre o tema selecionado. Assim, nem precisa mais buscar pela informação por que com este sistema ela vem até o leitor.
E mais, a internet não é uma ferramenta de comunicação que facilita apenas encontrar e ler as informações que se busca, mas também facilita a escrita e sua divulgação. A internet veio possibilitar a publicação e divulgação de textos e pensamentos que antes dependiam da boa vontade de algum editor. Com isso, assim como existem textos bem escritos e boas idéias disponíveis circulando na internet, também existe o contrário. Entretanto, é melhor textos mal escritos que texto nenhum, pois o aperfeiçoamento vem com a prática e com a capacidade de aprender com os erros e saber ouvir as críticas, além de contribuir para que os leitores desenvolvam a analise crítica, o popular desconfiômetro, para não aceitarem de pronto uma informação ou idéia apenas por que esta escrita num papel ou na internet. É sempre bom lembrar que o papel aceita tudo, e a internet também.
Assim, para este segmento de público o desafio é de outro tipo, e é aqui que os profissionais da comunicação podem colaborar, tornando-se referências para agregar credibilidade às informações que divulgam, identificando a boa da ma informação, a falsa da verdadeira, as armadilhas do discurso, o que as idéias num texto querem dizer exatamente, o que dizem sem dizer, o que escondem nas entrelinhas.
Cabe perguntar se os atuais cursos de formação de comunicação têm estimulado a capacidade critica de pensar, de escrever e expressar claramente as idéias, além de oferecer os conceitos e reflexões sobre a complexidade da sustentabilidade.
Quando falamos sobre a internet, ou sobre a leitura e a escrita, não podemos perder de vista que estamos nos referindo a apenas cerca de 10 por cento da população brasileira incluída digitalmente, o que não é pouca coisa do ponto de vista numérico. São quase 20 milhões de pessoas, um número de internautas maior que países inteiros e que faz a farra do mercado, pois são usuários de serviços e consumidores de produtos, tecnologias e equipamentos. Entretanto, o Brasil é um país de dimensões continentais, com cerca de 190 milhões de habitantes, e é preciso reconhecer que a internet ainda é um luxo fora do alcance da maioria da população. Também é importante lembrar que apenas cerca de 20 por cento da população lêem jornais e que ainda somos 15 por cento de analfabetos. E se formos considerar o analfabetismo funcional - pessoas que lêem e escrevem, mas não conseguem compreender uma idéia num texto - , então este percentual aumenta muito.
São desafios que precisam ser enfrentados considerando que somos uma sociedade dividida de forma desigual e em função dessas desigualdades, enquanto uns tem muito acesso à informação e à leitura, outros tem pouco ou nenhum acesso, o que gera distorções que exigem dos tomadores de decisão e lideranças soluções também diferenciadas.
Na base da pirâmide social está a grande maioria da população, constituída de pobres e excluídos e que demanda legitimamente por mais recursos naturais para atender a suas demandas. Muitos passaram do analfabetismo literário e digital para o rádio e a televisão, sem passar pelos livros. Parte desse desinteresse pelos livros, devemos reconhecer, se deve também ao fato dos livros no Brasil serem caros, em média R$ 40,00, e de termos poucas livrarias, cerca de 1,2 para cada 100 mil habitantes, enquanto nos países vizinhos como Argentina ou Uruguai, o livro é mais barato e o número de livrarias é pelo menos o dobro maior. Além disso, não parece atraente a pressa de introduzir a leitura dos clássicos para quem está ainda adquirindo o gosto pela leitura, principalmente quando são textos escritor em séculos passados, em outras realidades e em outra linguagem. Seria mais ou menos como colocar a carroça na frente dos bois, tentar ensinar o "Pai Nosso" e a "Ave Maria" para quem ainda não acredita em Deus. A pessoa passa a associar a leitura a algo chato a ser evitado. Assim como não se oferece comidas carregadas em temperos a quem começa a comer agora, é preciso oferecer leitura leve, agradável, sobre o cotidiano presente, sobre sentimentos e desejos universais e, a partir daí, pouco a pouco, ir acrescentando outros ingredientes de acordo com o interesse e o paladar dos novos leitores.
Outro equivoco é eleger uma cultura ou idéia como a desejável ou oficial e ignorar ou não valorizar a diversidade cultural e a pluralidade de idéias. As pessoas não são livros com páginas em branco onde quem acha que detém o saber terá de escrever tudo a partir do zero. Qualquer pessoa, independente da idade ou condição cultural, carrega consigo informações e valores que devem ser respeitados e em qualquer processo educativo ou que proponha mudança.
Assim, para fazer com que as idéias sobre a sustentabilidade cheguem aos demais setores da sociedade, é importante partir do saber já existente e reconstruir uma nova visão de mundo a partir da visão existente; e mais, é preciso descobrir e investir em estratégias para levar o conhecimento até aonde o povo está, e não esperar o contrário; e, sobretudo, traduzir o ecologês para as carências de nossa sociedade.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente (http://www.portaldomeioambiente.org.br/). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas – http://www.escritorvilmarberna.com.br/
Fonte: Envolverde
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Traduzir o ecologês para as carências de nossa sociedade
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este é um blog para todos! Deixe o seu comentário aqui e ele se tornará um post após a categorização do moderador.
Obrigada.