segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Remédio fracionado: uma questão de responsabilidade social da indústria

Você já pensou em quanto dinheiro jogou fora literalmente, por comprar remédios em quantidades maiores do que a sua necessidade?

Mais ou menos 20% do que você gastou. Isto é, de cada 100 reais pagos por uma pessoa na compra remédios, 20 reais são desperdício. Se levarmos em consideração que o faturamento da indústria farmacêutica este ano, até outubro, foi de 36,7 bilhões de reais, temos quase 8 bilhões de reais que o consumidor pagou para jogar fora. Dá quase um orçamento do Bolsa Família que, em 2010, ficou em torno de 11 bilhões de reais.

Os remédios a mais não fazem estragos apenas no bolso do consumidor. Guardados em casa, podem ser consumidos de maneira errada, causando intoxicações graves e até mortes. Quando descartados, os medicamentos acabam no lixão, contaminando ainda mais o solo e a água. Quando comprados em quantidade menor do que a prescrição médica, por falta de dinheiro – realidade comum a milhões de brasileiros, ainda, ajuda a que bactérias e vírus tornem-se mais resistentes, com riscos para a saúde pública. Desperdício de recursos, aumento de risco de intoxicação e do surgimento de superbactérias, poluição ambiental. Estes são alguns problemas que poderiam ser resolvidos se a indústria farmacêutica e seus canais de distribuição adotassem o medicamento fracionado voluntariamente, como prevê o decreto 5348, de 2005.

Remédio fracionado é aquele disponível ao consumidor na quantidade exata prescrita pelo médico. A prática já existe em alguns países, como Espanha, França, Bélgica, Portugal e EUA.

O crescimento da indústria de remédios no Brasil tem sido superior a dois dígitos há quase uma década. Em termos mundiais, só perde para a China. E, embora depois do decreto citado, 15 empresas tenham se credenciado junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para produzir os 175 medicamentos listados pelo órgão como passíveis de fracionamento, estes remédios não são encontrados nas farmácias do país. Uma pesquisa realizada pela ong Proteste em 49 farmácias de cinco capitais – São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Florianópolis e Brasília – não encontrou nenhum dos 175 remédios autorizados pela Anvisa à disposição do consumidor.

Por que fabricantes e farmácias não conseguem pôr em prática uma ação que já é corriqueira em vários países, alguns deles sedes destes mesmos fabricantes?

Os empresários de farmácias alegam que os custos e a burocracia exigida pela lei para instituir o fracionado são os maiores impeditivos. A indústria, por sua vez, reclama de falta de demanda para o fato de a produção dos 175 remédios liberados pela Anvisa ser quase zero.

Estamos, então, num círculo vicioso, sem saída? Não, absolutamente não.

Se fosse impossível adotar o fracionamento, a prática não seria instituída em outros países e com sucesso.

Então, por que no Brasil ainda gastamos mais do que precisamos com remédios? Falta de vontade política do Estado e dos agentes econômicos.

Mas, acima de tudo, falta de consciência da sociedade de que remédio fracionado não é uma nova "moda" e sim um direito e uma questão de saúde pública.

A presidenta Dilma destacou em seu primeiro pronunciamento à nação que melhorar a saúde pública será uma das prioridades de seu governo. Remédio fracionado deve fazer parte do rol de melhorias.

A sociedade brasileira, no entanto, pode dar o empurrãozinho que falta para o tema entrar de vez na pauta.

Há uma lei tramitando na Câmara Federal, de no. 7029, de 2006, que obriga a venda de medicamentos fracionados.

O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania depois de ter sofrido diversas alterações em relação à proposta original. Foi mantida a obrigatoriedade do fracionamento, mas, em vez de seis meses, dá prazo de 24 meses para a indústria se adaptar, e exige a presença do farmacêutico para a venda destes medicamentos.

O Instituto Ethos é parceiro da ong Proteste para coletar assinaturas em uma petição online para lutar pela aprovação do Projeto de lei nº 7.029 de 2006. A adesão pode ser feita pelo site do Instituto Ethos (www.ethos.org.br)

E no próximo dia 10 haverá um Chat das 14 às 15 horas, pelo site da PROTESTE para debater a campanha.

É preciso conscientizar a sociedade, a indústria, os profissionais da saúde e as farmácias de que o medicamento fracionado é bom para a saúde, a economia e o meio ambiente.



Algumas informações sobre o fracionamento no mundo:

· Portugal: Houve redimensionamento das embalagens para certos medicamentos ou patologias em que era possível definir uma duração do tratamento Standard, como é o caso, por exemplo, dos antibióticos. Hoje a maioria dos antibióticos são vendidos em embalagens adaptadas para 1 ou 2 semanas de tratamento, evitando dessa forma os desperdícios. Lei recente que institui o fracionamento nos moldes brasileiros também teve poucos resultados práticos, após período experimental.

· França, Bélgica, Itália e Espanha: Segundo especialistas consultados, nesses países não há fracionamento como o previsto no Brasil, mas as embalagens possuem, em geral, quantidades adequadas ao tratamento prescrito, como em Portugal.

· EUA, Reino Unido e Holanda: Nesses países, a venda fracionada é condicionada à quantidade prescrita na receita, que não pode ser reaproveitada em nova compra. Em caso de prolongamento do tratamento, o paciente deve apresentar nova receita médica, com a dose exata necessária.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este é um blog para todos! Deixe o seu comentário aqui e ele se tornará um post após a categorização do moderador.
Obrigada.