quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Cinco anos de Pacto Nacional Contra o Trabalho Escravo

Está sendo realizado hoje, em São Paulo, um seminário nacional de avaliação dos cinco anos de existência do Pacto Nacional contra o Trabalho Escravo, uma iniciativa do Ethos, da OIT, do Instituto Observatório Social e da ong Repórter Brasil e de empresas de vários setores comprometidas com ações para acabar com esta prática no país.

É um bom momento para comentar os avanços obtidos e as melhorias que ainda precisam ser alcançadas. Quanto de fato se avançou e o que ainda é preciso melhorar? Para responder estas e outras perguntas, as empresas signatárias realizaram uma pesquisa de monitoramento, feita pelo Instituto Observatório Social, entre dezembro de 2009 e março de 2010. Os dados foram levantados por meio de um sistema online com preenchimento feito pelas próprias empresas do Pacto. Como este preenchimento passou a ser requisito para a empresa manter-se no pacto, o número de signatárias caiu de 217 para 113. Outro motivo para esta queda foi o elevado índice de fusões empresariais ocorridas no período. Entretanto, a representatividade destas 113 empresas, em relação à economia brasileira, manteve-se alto. Quatro das dez maiores empresas do país são signatárias do pacto.

Outros dados relevantes: 75% das signatárias são empresas; 47% delas estão na indústria de transformação e 35% das quais com sede em São Paulo. Quanto à cadeia produtiva com a qual trabalham, 27% informa ser a da pecuária bovina, 26% a da soja e 21% a da cana de açúcar. 70% dos fornecedores delas se localizam no estado de SP e pertencem à indústria de transformação, à agropecuária e à produção florestal .

As ações que as signatárias adotam em relação aos fornecedores foram analisadas em quatro dimensões: normativa, de monitoramento, de treinamento e de comunicação.

Assim, no âmbito normativo, 67% afirmam possuir cláusulas nos contratos comerciais restritivas ao uso de trabalho escravo por fornecedores /clientes; 61% têm cláusulas sobre segurança no trabalho, previdência e meio ambiente. 83% suspendem o contrato caso o fornecedor ou cliente seja incluído na lista suja do MTE; e todos os signatários informam exigir nota fiscal em suas relações comerciais.

Em relação ao monitoramento da cadeia de fornecedores / clientes, 56,6% afirmam realizar algum tipo de diagnóstico da cadeia produtiva, em busca de trabalho escravo. Quando o fazem, utilizam como ferramentas as normas SA8000 e ISSO 14001, a lista suja do MTE e auditorias especializadas.

- 57,9% não exigem dos intermediários e/ ou fornecedores indiretos de matéria prima o controle de cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias

- 47,7% não possuem nenhum controle sobre os fornecedores com venda spot/manual

Sobre o treinamento, 50% não realizam nenhum tipo de treinamento focado na necessidade de se ter controle rígido nas compras, para manter a cadeia produtiva “limpa”; e 64% não apóiam ações de reinserção de trabalhadores libertos.

Em comunicação sobre o pacto e sobre as próprias ações de combate ao trabalho escravo, 61,6% não apóiam ações e campanhas de informação aos trabalhadores vulneráveis ao aliciamento de mão-de-obra escrava.

54,8% apóiam ações e campanhas de informação sobre trabalho escravo para a sociedade em geral.

51,3% não têm sistematizado e divulgado suas experiências a fim de multiplicar ações que combatam o trabalho escravo.

64,4% não colaboram com as esferas governamentais em ações de políticas públicas de combate ao trabalho escravo.

50,6% participam de diálogo com outros atores sociais para formulação e implementação de ações do Pacto.

Podemos verificar, por estes dados, que este pacto tornou-se referência em políticas públicas de combate ao trabalho forçado contemporâneo, aqui no Brasil, no Mercosul e no mundo. A própria OIT, que fez um levantamento internacional sobre ocorrência de trabalho análogo à escravidão, recomenda às empresas o modelo de compromisso voluntário via Pactos, citando como exemplo o caso brasileiro. O modelo também foi copiado aqui mesmo no Brasil para estabelecer compromissos empresariais em relação a outros temas, como desmatamento da Amazônia e combate à corrupção. O assunto “trabalho escravo” também ganhou a mídia que passou a noticiar e a nomear as empresas flagradas com trabalho forçado em suas cadeias produtivas.

Trabalho escravo é uma indignidade que não ajuda os negócios, pois acaba impondo uma concorrência desleal entre as empresas. Com isso, a sociedade também não evolui. Se sabemos de tudo isso, por que o Brasil não consegue erradicar de vez esta prática? A pergunta ainda não tem resposta, mas é possível apontar alguns caminhos para avançarmos nesta luta por trabalho decente e vida digna para todos.

O Pacto poderá ganhar ainda mais força se os compromissos voluntários das empresas servirem de propulsores para novas políticas públicas, principalmente no que se refere à reinserção dos trabalhadores libertos na sociedade e no mundo do trabalho. Existem boas iniciativas de empresas, como o Instituto Carvão Cidadão, das siderúrgicas do norte do país, e da Maeda Agroindustrial, que contrata estes trabalhadores como aprendizes. Mas elas não dão conta da demanda. Alguns setores estratégicos precisam ampliar sua participação no Pacto, principalmente a siderurgia, os bens duráveis e o automotivo. É preciso também fortalecer a institucionalidade dos mecanismos existentes. A lista suja precisa virar lei (hoje, é apenas uma portaria), e o Congresso precisa aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438, que prevê punição mais severa para a empresa ou pessoa condenada por uso de trabalho forçado.

É evidente que as empresas, sozinhas, não poderão dar conta de tudo. No entanto, é possível fazer mais se entendermos o problema como uma oportunidade para a construção do desenvolvimento sustentável que buscamos.

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