A cidadania deveria refletir com profundidade a respeito de uma frase dita pelo ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, na semana passada. Ao comentar os alegados casos de corrupção que levaram à demissão do ex-ministro da pasta, Wagner Rossi, Mendes Ribeiro explicou: “Lobista é uma coisa, ladrão é outra”. E continuou: “O Poder Executivo tem que ter essa regulamentação do lobby. Tem que ter um regulamento de quem pode freqüentar as salas”.
A regulamentação a que o ministro se referiu é a Lei de Defesa de Interesses, que tramita no Congresso há quinze anos. O Instituto Ethos considera que essa lei é um dos três pilares reguladores imprescindíveis para a transparência do Estado e o controle social dos gastos públicos. Os outros dois pilares são a Lei de Responsabilização Civil e Administrativa da Pessoa Jurídica e a Lei de Acesso à Informação.
Mas como o lobby ajuda na transparência e no combate à corrupção?
Contexto
“Lobby” é uma palavra em inglês que significa “ante-sala” ou “corredor”. Por metonímia, significa também a atividade de pressão de grupos com o objetivo de interferir diretamente nas decisões do poder público, em especial em favor de interesses particulares.
A transposição da palavra para o jargão político ocorreu na Inglaterra, mas foi nos EUA que ela ganhou seus contornos definitivos. Lá, a atividade é reconhecida e existem profissionais especializados em “fazer lobby”, ou seja, pressionar os parlamentares ou os ocupantes de cargos executivos para aprovar medidas de interesse de grupos.
Dentro de limites estritos de ética e de transparência das ações, o lobby é uma importante ferramenta para a consolidação do processo democrático. Nos EUA, por exemplo, o lobby de grupos sociais favoráveis aos direitos civis foi fundamental para a aprovação das leis de cotas e de fim da segregação racial. Foi a pressão de grupos sociais que também permitiu a aprovação de legislações avançadas sobre direitos de minorias.
No Brasil, a palavra tem uma conotação pejorativa, pois, para o cidadão, a atividade de “pressionar” está vinculada a ações anti-éticas e à corrupção no país. Embora muita corrupção venha de fato de uma pressão feita de forma incorreta por grandes grupos de interesse, o lobby é uma atividade lícita e também contribuiu para o fortalecimento da democracia no país.
Quando centenas de milhares de pessoas se juntaram na frente da praça dos 3 Poderes para acompanhar o impeachment do então presidente Collor, elas estavam praticando lobby. Quando grupos de sindicalistas visitam parlamentares e ministros para discutir aumentos salariais e benefícios para os trabalhadores, estão fazendo lobby.
O que falta, no Brasil, é uma lei que regulamente a atividade. E é disso que trata a Lei de Defesa de Interesses. Ela não vai estabelecer quais interesses podem ser defendidos – numa democracia, parte-se do princípio de que todos os interesses são legítimos – mas vai definir quem é a pessoa (ou grupo) que pode defender esses interesses, onde, quando e como devem ser feitas as reuniões, como informar a sociedade sobre tais demandas e quais os parlamentares ou ocupantes de cargos executivos que defendem as mesmas ideias.
Lei do Senado 203, de 1989
O primeiro texto tratando da regulamentação do lobby surgiu em 1989, de autoria do então senador Marco Maciel. O texto passou na casa, foi à Câmara e lá tramita desde 1990.
Essa lei prevê o registro perante as mesas diretoras do Senado e da Câmara de pessoas que exercem atividades “tendentes a influenciar o processo legislativo”
O projeto também prevê que Senado e Câmara deverão distribuir credenciais de acesso aos registrados, bem como definir os limites de atuação.
Para obter o registro, os interessados pessoas físicas ou jurídicas deverão fornecer declaração, entre outros, do capital social e, depois de registradas, ficam obrigadas a declarar o recebimento de qualquer doação. Os lobistas registrados terão ainda a obrigatoriedade de prestar contas de seis em seis meses dos gastos relativos à sua atuação. Em sua justificativa, Maciel esclarece que a proposição tem o objetivo de ampliar e aperfeiçoar a disciplina legal dos grupos de pressão ou de interesse com atuação junto às Casas do Congresso Nacional.
Lei 1202, de 2007
Em 2007, o deputado federal Carlos Zarattini apresentou à Câmara o projeto de lei 1202, que disciplina a atividade de “lobby” e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal.
A Lei mantém os mesmos critérios da anterior para definir e identificar os lobbistas que atuam no Congresso, mas vai além: estabelece que a Controladoria Geral da União deverá ser a entidade que receberá os registros e dará as credenciais para lobbistas que vão atuar nas instâncias do Poder Executivo.
Também estipula quem NÃO pode ser lobbista: pessoas tenham, nos doze meses anteriores ao requerimento, exercido cargo público efetivo ou em comissão em cujo exercício tenham participado, direta ou indiretamente, da produção da proposição legislativa objeto de sua intervenção profissional.
Essa lei é bem parecida com aquelas dos países que já regulamentaram essa atividade, como EUA, Inglaterra, França e México.
O ponto em comum entre todas – inclusive a brasileira – é que elas reconhecem a pressão dos grupos sociais sobre parlamentares e membros do Executivo como parte importante do processo democrático. É pela pressão de grupos que defendem interesses que a sociedade avança em seus direitos e em sua participação. Outro ponto em comum é que essas regulações visam coibir as pressões veladas, que podem levar à aprovação de leis ou de projetos que não interessem à maioria da sociedade.
Acesso à informação e responsabilização civil de pessoa jurídica
Se, nos outros países onde o lobby é regulamentado, esse “desvio”, por assim dizer, é evitado por outras leis, no Brasil, ainda não existe semelhante arcabouço. Por isso, o Instituto Ethos defende um tripé de leis que garanta a transparência do processo democrático, com ampla informação do cidadão e prevenção da corrupção.
Este tripé contém a lei de defesa de interesses e mais duas legislações que também tramitam no Congresso há tempos: a lei de responsabilização civil e administrativa da pessoa jurídica e a lei de acesso à informação.
O PL 6826, de Responsabilização Administrativa e Civil de Pessoas Jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, é um marco importante para que o Brasil avance na agenda da promoção da integridade e do combate à corrupção, e para que as empresas encontrem um ambiente mais favorável à ética nos negócios e com menores riscos, tanto aqui quanto no exterior.
A aprovação do PL representa o ajuste definitivo do Brasil em relação à Convenção da OCDE contra o Suborno de Funcionários Públicos em Transações Internacionais, à Convenção das Nações Unidas e à Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (OEA) no concernente à responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção contra a Administração nacional e internacional.
O Projeto de Lei Complementar (PLC) de Acesso à Informação também está parado no Senado, por conta da polêmica sobre o sigilo eterno ou temporário dos documentos oficiais. Mas, a aprovação é passo importante para garantir o acesso do cidadão a informação de interesse coletivo produzida ou custodiada pelo Estado.
A lei, no entanto, é instrumento fundamental para ampliar o cenário de transparência e permitir maior envolvimento da sociedade na fiscalização, no combate a corrupção e até no bom funcionamento das esferas públicas.
Com esse aparato legislativo, os governos, as empresas e a sociedade civil poderão dar toda a atenção à construção de uma economia verde, includente e responsável, pois estarão garantidas: a concorrência leal; o combate à impunidade e o amplo diálogo social.
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