quarta-feira, 25 de maio de 2011

Prática contradiz discurso e limita liderança do Brasil na futura economia verde

O mais recente relatório do IPCC novamente destaca o papel de liderança do Brasil num cenário de economia verde. A aprovação do Código Florestal, no entanto, aponta na direção contrária.

Hoje temos boas e más notícias para comentar.

As boas notícias vêm do mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), apresentado durante a plenária do organismo realizada entre 11 e 13 de maio de 2011, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

Ele foi elaborado com a colaboração de 120 cientistas de todo o mundo, inclusive quatro brasileiros: Marcos Freitas, Roberto Schaeffer, Segen Estefen e Suzana Kahn Ribeiro, todos do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O foco foi o papel das energias renováveis para a emergência da economia verde. O IPCC estudou vários cenários e concluiu que:
- Em 2050, a participação de fontes renováveis na matriz mundial precisa ser superior a 50% para conter o aquecimento global, estabilizando as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 450 ppm (partes por milhão), para as temperaturas não subirem acima de 2 graus centígrados;
- Hoje, as fontes renováveis são responsáveis por 13% da oferta de energia primária no mundo. Precisamos de, pelo menos, mais 35% vindos de fontes renováveis, o que é bastante possível de se atingir;
- Ao custo de investimento de 1% do PIB mundial, as fontes renováveis podem suprir 77% do consumo mundial de energia até 2050;
- Dos 300 GW acrescentados ao parque gerador de eletricidade entre 2008 e 2009, nada menos de 140 GW vieram de fontes renováveis;
- A energia elétrica tenderá a ocupar espaço protagonista na matriz energética e os combustíveis líquidos tenderão a ser cada vez mais biocombustíveis. O futuro também será de crescente participação de energias eólica e solar, as quais terão as maiores taxas de crescimento nas próximas décadas.

Dentro desse cenário otimista, o Brasil desponta como liderança na futura economia verde, pois:
- Ainda tem enorme potencial hidrelétrico;
- Pode avançar ainda mais em tecnologias para aproveitamento de biomassa; e
- Também pode se destacar em aproveitamento dos oceanos, sem falar nas energias eólica e solar.

Ou seja, em todas as fontes renováveis listadas pelo IPCC, o Brasil aparece com papel proeminente no futuro.

No entanto, parece que o país não quer essa liderança. Ou melhor, não consegue transformar em prática o discurso que o faz projetar-se como nação privilegiada num cenário que valoriza cada vez mais o capital natural como o maior patrimônio financeiro do futuro. Esta é a notícia ruim.

O que tem jogado contra essa projetada liderança brasileira é o processo interno de decisão política. Ele funciona numa lógica que não leva em consideração esse futuro mais sustentável e justonem está a serviço dos interesses da população. Sua visão é imediatista, brindando interesses particulares, e não os do conjunto da sociedade.

Um exemplo desse processo é a discussão e a aprovação do Código Florestal. O que contou mesmo para a definição do voto parlamentar foi o que podemos chamar de “jogo de poder” no Legislativo. Pouco se considerou a floresta, essa sim o bem mais valioso que o Brasil possui atualmente, comprovado mais uma vez pelo recente relatório do IPCC.

A floresta é imprescindível porque:
- Garante a preservação das fontes de água. Sem água, perdemos parte do potencial energético e agrícola. A preservação das fontes de água também é imprescindível para o modo de vida urbano – e o Brasil tem mais de 80% da população vivendo em cidades;
- Garante a biodiversidade, que se transforma em conhecimento e em fonte de renda não só para as populações locais, mas como base para grandes negócios, como a indústria cosmética e farmacêutica;
- Garante a própria atividade econômica, pois mais de 50% dela dependem de recursos das florestas;
- Cria condições para a riqueza do solo, mantendo a composição química adequada para as atividades agrícolas e impedindo a erosão e a desertificação.

Antes mesmo da aprovação do Código Florestal, o desmate na Amazônia já havia aumentado, pela expectativa de impunidade e de liberação de áreas antes consideradas intocáveis.

O mundo espera que o Brasil assuma papel protagonista na transição para uma nova economia e a Rio+20 poderá ser o palco para a consolidação dessa liderança. Mas o discurso que pôs o Brasil nessa vanguarda precisa vir acompanhado de práticas que comprovem a intenção de agir no sentido da sustentabilidade. Não é o que temos visto nem o que ficou demonstrado pela aprovação desse Código Florestal na Câmara Federal.

Tomara que o Senado e a própria Presidência da República possam consertar o estrago, recolocando o país nos trilhos de um desenvolvimento mais justo e ambientalmente equilibrado.

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