quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

As contradições de um país solidário

Eventos extremos comprovam que existem no Brasil muitas pessoas dispostas a ajudar o próximo, mas entraves legais e desconfianças dificultam doações que beneficiariam projetos e ações filantrópicas

INTRODUÇÃO
Há um consenso geral na sociedade brasileira de que precisamos de alguma forma, avançar na questão das doações. É preciso tornar esse processo mais amigável e menos burocrático, capaz de romper com entraves e dificuldades que tornam essa tarefa repleta de dificuldades.

As recentes tragédias em vários estados brasileiros, com o destaque mais triste para a que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro, mais uma vez trouxe à tona, a solidariedade e a vontade de ajudar do povo brasileiro. Uma grande quantidade de doações pôde ser vista em fotos de jornais e imagens de televisão chegando até as pessoas afetadas por esses desastres.
Mas tal fato, como demonstrou matéria da Folha de São Paulo na semana passada, revelou o contraste entre a vontade de ajudar e as dificuldades legais em transformar esse desejo em realidade.

Existem no Brasil pessoas físicas e jurídicas com recursos e disposição para contribuir com projetos sociais em uma ponta, enquanto centenas de entidades e organizações com projetos carentes de recursos capazes de beneficiar pessoas, comunidades e regiões ávidas por esse atendimento em outra ponta. E no meio, persiste um arcabouço legal que dificulta essa tarefa.

SITUAÇÃO DO PAÍS E COMPARAÇÕES
Em primeiro lugar, o país não tem regras claras e não beneficia quem faz doações, aliás até mesmo pune quem as faz, pois as tributações incidentes são muito altas.

O Brasil possui um imposto, o ITCMD (Imposto de Transmissão de Causa Mortis e Doação), que é um tributo estadual que possui uma alíquota que atinge 5% do valor das doações. Aqui em São Paulo, por exemplo, doações acima de R$ 41 mil são tributadas em 4%. Em termos de comparação é uma porcentagem bem acima do que é cobrado na venda de imóveis, ou seja, 2,5%. 4% para doações e 2,5% para imóveis.

Se formos comparar com um dos países campeões em doações os Estados Unidos, essa afirmação fica mais clara:

Lá, as empresas conseguem abater até 10% dos impostos para doações, aqui no Brasil o teto máximo é de 6%, isso ainda somando-se aos benefícios das leis já bastante utilizadas por empresas como as de incentivo a cultura, esporte e projetos sociais.

Um dos aspectos mais interessantes da lei norte-americana e que acaba sendo um grande incentivo as ações de filantropia vem, por mais incrível que possa parecer, dos impostos sobre herança. Mas isso é facilmente explicável, lá nos Estados Unidos as heranças transmitidas para filhos ou outros herdeiros, são tributadas em até 50%. Por essa razão, os milionários e bilionários norte-americanos criam fundações privadas que fazem uso desses recursos em projetos sociais, ambientais, pesquisas científicas diversas e as que buscam a cura de doenças, entre outros. As fundações dos bilionários Warren Buffett e Bill Gates, para ficarmos em dois dos mais famosos, são conhecidas por ações filantrópicas nos Estados Unidos e em vários países do mundo.

Só em 2009 a filantropia na maior economia do mundo foi responsável pelo giro financeiro da ordem de US$ 303 bilhões.
Guardadas as devidas proporções o Brasil está muito aquém do seu potencial.

POSIÇÃO DO BRASIL NO MUNDO DA FILANTROPIA
Segundo estudo da consultoria Mckinsey, nós poderíamos dobrar o atual volume de doações que mal chega a 0,3% do PIB ou aproximadamente R$ 7,9 bilhões para a filantropia e mobilizar mais de R$ 15,8 bilhões, o que corresponde a 0,6% do PIB de 2009 para financiar entidades beneficentes e projetos sociais e ambientais, além de ajuda humanitária em caso de tragédias. Mesmo assim estaríamos ainda abaixo da média mundial que está estimada em 0,8% do PIB.

Considerando que somos a oitava economia do mundo, o Brasil ocupa uma baixíssima posição no ranking mundial de filantropia. É o 76º país entre 153 pesquisados pelada fundação britânica CAF (Charities Aid Foundation), que, além das doações em dinheiro, inclui doação de tempo (voluntariado) e ajuda a estranhos. A pesquisa mostrou que só 25% dos brasileiros afirmaram ter feito algum tipo de doação. Austrália 70%, Nova Zelândia, 68% e Canadá 64% lideram com altas porcentagens da população doadora de dinheiro.

TRANSPARÊNCIA E CONFIABILIDADE
Se os altos impostos contribuem para reduzir as doações, não se pode esquecer que outro fator contribui decisivamente para esse cenário: a ausência de confiança entre os vários atores dessa equação. Por um lado, o governo desconfia de doações e patrocínios, como uma maneira de burlar o fisco, a arrecadação de impostos. De outro, organizações não governamentais nem sempre informam com clareza os seus objetivos. Nesse círculo vicioso cercado de desconfianças é mais fácil assistir ao imobilismo do que ações que visem ao apoio efetivo de causas filantrópicas.

CAMINHOS PARA MUDAR ESSA REALIDADE
Portanto, a transparência na divulgação das propostas, na prestação de contas dos gastos e a descrição das ações e resultados contribuem para reduzir desconfianças.

A proposta de um novo marco regulatório para o terceiro setor também faz parte desse conjunto de movimentos em prol do trabalho social. ONGs e captadores de recursos acreditam que isenções fiscais, um arcabouço institucional e legislativo, uma melhor seleção das entidades beneficiadas e capacitação das organizações na prestação de contas são bons caminhos para colocar as doações no Brasil num patamar mais alto.
Também existem os que defendem a regulamentação do imposto sobre fortunas que poderia criar um efeito semelhante ao dos Estados Unidos na criação de fundações ou mesmo na doação direta para projetos filantrópicos. O tributo foi criado pela Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado.

CONCLUSÃO
Precisamos, portanto, aprimorar a regulamentação contando com a participação efetiva dos governos, empresas e sociedade civil. Ao vencer preconceitos com um olhar amigável seremos capazes de utilizar todo o potencial das doações, proporcional ao tamanho da economia do Brasil e, consequentemente, contribuam decisivamente para atender as demandas e necessidades sociais do país.

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