Na semana passada, os jornais do mundo inteiro anunciaram que, atendendo a um pedido de Bill Gates e Warren Buffett, 40 bilionários americanos doaram parte de sua fortuna – ou mesmo a totalidade dela – para a filantropia. Outros ainda vão fazer o mesmo. Buffett declarou que o objetivo deste movimento iniciado por ele e Gates – denominado The Giving Pledge (ou O Compromisso de Doar) – é fazer com que cada pessoa, nos EUA, com patrimônio igual ou superior a um bilhão de dólares, doe parte dele para a filantropia.
O gesto causou espanto até no público americano, acostumado a este tipo de ato, pois mesmo quem não tem fortuna costuma fazer doações a diversas causas. Se se tornam ricos, adicionam mais zeros aos cheques. É simples assim.
Filantropia tem um sentido bem amplo nos EUA, indo desde ações de caridade, como distribuição de alimentos e remédios, manutenção de abrigos para indigentes, asilos, orfanatos, até o patrocínio de projetos culturais e pesquisas científicas, passando pela construção de hospitais, universidades e escolas; bolsas de estudo, acampamentos de férias, clínicas de reabilitação e qualquer ação que amplie o bem estar da sociedade. Política também está dentro deste escopo. As ações afirmativas de inclusão racial e em favor dos direitos civis, por exemplo, tiveram o apoio decisivo de muito milionários que viram na consolidação dos direitos de negros e hispânicos a ampliação das próprias possibilidades de negócios.
Não é de se desprezar a ação do Estado como “estímulo” à filantropia, nos EUA. O imposto sobre transmissão de patrimônio por herança pode chegar a 70% do total líquido ao longo do tempo. As doações, ao contrário, podem ser abatidas em até 100%. Assim, para os herdeiros, é muito melhor ser diretor de uma fundação que gere este patrimônio do que mantê-lo em seu próprio nome.
No entanto, é também verdade que a iniciativa de doar para sustentar diversas causas tem também uma motivação interior legítima. Podemos criticar os negócios deles, mas os bilionários americanos possuem um espírito público ainda sem paralelo no capitalismo recente. Sem a disposição de abrir mão do que juntaram ao longo da vida, não haveria o Museu de Arte Moderna de Nova York, as orquestrar sinfônicas das capitais norte-americanas, o balé moderno, de Isadora Duncan a Twyla Tharp, o cinema experimental, as pesquisas sobre câncer e AIDS, diversos e extensivos programas de saúde pública nos países mais pobres do mundo e muito mais.
A lista é extensa. E o poder que este dinheiro todo somado representa, também. O Tesouro americano calcula em pelo menos 260 bilhões de dólares o montante das doações anuais nos EUA. Mas deve ser muito mais. Em 2008, Buffett, dono de uma corretora de valores que escapou praticamente ilesa da crise dos derivativos, doou 30 bilhões de dólares de seu patrimônio (avaliado em 44 bilhões de dólares) para a Fundação Melinda e Bill Gates. Com este aporte, o patrimônio da fundação subiu para 60 bilhões de dólares, constituindo a maior entidade filantrópica jamais formada, do tamanho de uma multinacional como a Honda. Agora, com esta iniciativa de atrair mais doações dos bilionários, qual será o poder desta filantropia? Maior do que o de muitos países juntos. É preciso ressaltar que as ações sociais de qualquer natureza nunca substituíram a ação dos governos em qualquer âmbito. E que os herdeiros destes bilionários nunca deixaram de comprar suas ferraris ou passear pela Europa em potentes iates.
A pergunta que não quer calar é: por que não copiamos este modelo aqui no Brasil? Temos uma mentalidade “doadora” que não prospera por entraves burocráticos e de legislação.
Nos EUA, doações individuais à filantropia geram créditos tributários. Por isso, 89% das famílias dão dinheiro a programas sociais e 75% destes doadores são pessoas comuns. Aqui no Brasil, pesquisa realizada pelo Instituto de Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) mostrou que 20% da população brasileira economicamente ativa fazem algum tipo de doação, mas esta contribuição não ultrapassa um salário mínimo / ano. A quantia só é abatida do IR se for dirigida para conselhos da criança e do adolescente, assim mesmo até o teto de 6%. Doações de dinheiro e equipamentos para universidades públicas, hospitais e outra entidades sofrem restrições quase intransponíveis. O brasileiro que quiser doar um equipamento de ultrassom para um hospital público, por exemplo, vai precisar pagar imposto.
O empresário José Mindlin, falecido em fevereiro deste ano, travou uma batalha cansativa contra este absurdo, para conseguir doar parte de sua biblioteca com mais de 50 mil volumes para a USP. Ele levou oito anos até conseguir seu objetivo. Inicialmente, ele descobriu que, para fazer a doação, precisaria atualizar o preço dos livros pelo mercado e pagar um imposto de 15% sobre a diferença entre o valor inicial e o final. Resolveu, então, criar uma fundação para abrigar o acervo. No entanto, para transferir as obras de seu nome para o da fundação (que ele mesmo estava criando), precisaria pagar o imposto de transmissão de bens de 4%. Mindlin só conseguiu completar a doação quando a lei foi alterada, deixando os livros isentos de pagamento de impostos, quando doados. Por conta destes entraves, as doações para a filantropia no Brasil ainda não chega nem perto da menor doação feita pelos bilionários americanos.
No censo realizado em 2009, o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife) verificou que as entidades associadas fizeram investimentos de 1, 894 bilhão de reais, abaixo daquele realizado em 2008 (antes da crise, portanto), que foi de 2,015 bilhões de reais. A estimativa para 2010 é de 2,012 bilhões de reais.
Quem quiser saber mais sobre a ação dos bilionários doadores deste chamado de Bill Gates e Warren Buffett pode acessar o site http://www.thegivingpledge.org/.
Divulgado na Rádio CBN no dia 09 de agosto de 2010.
Boa Tarde,
ResponderExcluirFiquei espantada com os números das doações dos bilionários, mas meu choque maior foi o dos impostos sobre doações que o Brasil mantém.
Uma triste realidade, que dificulta ainda mais o caminho que alguns tentam trilhar, o caminho do desapego material, da igualdade e do compartilhar com o próximo o que se tem em demasia e de forma desnecessária.
Feliz fiquei em conhecer sobre a vitória do Sr. Mindlin. Todos merecem seus livros.
Marina Costa Amado
muito legal a atitude dele parabéns, se todos milionários fizessem isso...gostaria de receber uma doação de uns 200.000 (duzentos mil) que tenho certeza que não ia fazer falta para nenhum tipo de milionário, e seria um dinheiro que estou precisando muito, é a unica coisa que falta pra mim, porque a felicidade de amar eu já tenho que é a minha bela esposa, estamos a quase 6 anos juntos e nunca tivemos nenhum tipo de discussão, beijos e abraços a todos que estiverem lendo esse comentário....
ResponderExcluir