segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A educação dos negócios e os negócios da educação

Na semana passada, foi anunciada a aquisição da Uniban - Universidade Bandeirante pelo Grupo Anhanguera, por 510 milhões de reais. Com essa compra, o Grupo Anhanguera Educacional tornou-se o segundo maior do mundo no segmento, em número de alunos, perdendo apenas para o Apollo Group, dos EUA, que controla a Universidade de Phoenix (EUA) e mais duas instituições de ensino na América Latina, uma no Chile e outra no México.

Hoje, a Folha traz notícia de que pagam intermediários que buscam candidatos entre trabalhadores de menor renda. As faculdades mais agressivas recorrem a associações de moradores de comunidades carentes, prometendo financiamento do governo federal pelo Fies, por outras fontes de financiamento do governo de São Paulo ou de entidades privadas.

Desde 2009, há um movimento forte de incorporações na área da educação superior privada no país, envolvendo alguns milhões de reais e concentrando o setor nas mãos de quatro ou cinco grupos, de maioria estrangeira. Isso é bom para os brasileiros? Ajuda a elevar o nível educacional e de conhecimento da população? Essas faculdades, afinal, estão formando profissionais competentes? Mais do que isso: estão formando profissionais capazes de “educarem” os negócios para os desafios da sustentabilidade?

Contexto

Um dos dois maiores desafios do país para tornar-se uma nação mais justa e sustentável é garantir o acesso de todos os brasileiros, independente de renda, idade, cor da pele ou gênero, a uma educação de qualidade e ao conhecimento científico. A este junte-se outro que se refere ao “conteúdo” desta educação e deste conhecimento: o da disseminação de valores capazes de sustentar o convívio social em bases diferentes das atuais, em que “ter” é mais importante do que “ser”.

Com o ensino fundamental e médio de baixa qualidade (mesmo na esfera privada), tem sido tarefa da universidade não só superar a defasagem dos ciclos anteriores, como incutir valores e dar formação para uma carreira profissional vitoriosa. As universidades públicas cumprem em parte esta tarefa. Mas e as universidades privadas, o que têm feito? O negócio da educação tem ajudado de fato o Brasil a superar seus problemas?

O cenário não é animador

Dados do MEC de 2010 indicam que o país possui 5,9 milhões de jovens cursando universidades, dos quais 4,43 milhões estão na rede privada de ensino superior. Desses, 750 mil recebem auxílio do ProUni, Programa Universidade Para Todos, que oferece bolsas integrais ou parciais para alunos de baixa renda. Em 2010, outros 74 mil alunos fizeram uso do Fies, Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). O Fies é um programa do governo federal criado em 1999 para financiar a graduação de alunos em faculdades particulares, em parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF). Para se candidatar o estudante deve estar regularmente matriculado em um curso com avaliação positiva pelo governo, de uma instituição que participe do programa. Em troca do financiamento ao aluno, as faculdades recebem do governo títulos que podem ser usados para abater impostos. Ao contrário do ProUni, que não precisa ser devolvido, o aluno do Fies precisa pagar de volta à CEF o crédito que tomou. Este começa a ser quitado 18 meses após a formatura em prazos que variam de cinco a quinze anos.

Enquanto nos EUA 80% dos concluintes do ensino médio ingressam em uma faculdade, no Brasil esta porcentagem é de 26%. Com o aumento da renda e o apoio do governo federal aos estudos superiores, as universidades particulares esperam que a demanda por vagas aumente e vão atrás dos estudantes com ofertas às vezes pouco éticas.

Fora das universidades públicas, o aluno é olhado pelo dinheiro que pode trazer para a faculdade.

Com a melhoria da renda e de opções de financiamento, o número de alunos mais pobres quase triplicou nas instituições particulares na década passada, segundo o IBGE. Isto ajuda a explicar por que algumas instituições adotam estratégias mais pró-ativas para atrair esse público.

Uma vez matriculados, no entanto, o desafio é mantê-los. Prova disso é que houve aumento da evasão. Nas particulares, em 2009, o total dos que se formavam representava 47% dos que iniciaram o curso quatro anos antes. Em 2005, eram 56%, o que indica que a evasão cresceu.

Por um lado há falta de alunos e, por outro, o estudante está se endividando.

A mensalidade é de R$ 632 e o valor do financiamento previsto para todo o curso, pelo crédito estudantil, chega a quase R$ 40 mil.

O aluno começa a pagar o crédito educativo um ano e meio após a conclusão do curso. No caso de Lindinalva, significará uma mensalidade de R$ 296 por 15 anos.

Um receio comum dos alunos ouvidos pela reportagem é não conseguir quitar o crédito educativo. A dívida é o que mais os assusta.

O negócio da educação garante qualidade?

Um levantamento divulgado pelo próprio ProUni indica que Administração, Pedagogia e Direito são os cursos que mais formaram jovens nesse programa. Das áreas estratégicas já citadas, só aparece Ciências Biológicas, em nono lugar.

Sobre a qualidade dos profissionais formados, duas informações reveladoras:

1 – No último exame da OAB, cujos resultados foram divulgados na semana passada, das dez universidades com melhor desempenho, oito eram federais e duas estaduais – USP e Unesp. As universidades particulares não tradicionais aparecem em classificações abaixo do 50º. Lugar.

2 – No Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) 2010, o Ministério da Educação chegou a abrir processos administrativos e a cortar vagas em 11 faculdades. Mas os 127 cursos em universidades particulares com as piores notas, continuaram a receber bolsistas do ProUni.

Educação x negócio

O lance mais recente foi este da aquisição da Uniban pelo grupo Anhanguera. Antes de ser adquirida, a Uniban fazia parte das quatro universidades paulistas independentes de grupos incorporadores. Além dela, temos FMU, Unip (Universidade Paulista) e Uninove. Fundada nos anos 1970 como “universidade premium”, chegou a ter alguns cursos entre os vinte melhores do país, nos anos 1990. Mas, resolveu atrair a “nova classe média” e baixou os preços. Perdeu alunos e reputação. Em 2008, o jornal Valor informa, a Uniban tinha 70 mil estudantes. Em março deste ano, 55 mil. À evasão de alunos agregou-se o “episódio Geisy Arruda” – a ex-aluna vítima de preconceito por usar vestidos curtos – e a reputação esfarelou-se.

O caso da Uniban resume o dilema dos grupos educacionais que querem crescer como negócio, de olho no grande público brasileiro ávido por melhores salários, mais conhecimento e vida digna.

O que se vê é uma “corrida” atrás do “consumidor” que pode pagar pelo curso, seja via ProUni, seja via financiamento do Fies. A concorrência está tão grande que a Folha de hoje traz notícia dando conta de que há uma verdadeira rede de intermediários espalhada pelos bairros da periferia de São Paulo a caça de potenciais “interessados”.

A qualidade dos cursos ainda não está em pauta, Nem os valores que estão disseminando.

Os desafios do Brasil são enormes. Superar a pobreza e construir um país mais igualitário com uma economia sustentável exige esforço hercúleo e o melhor da inteligência (que não nasce pronta).

Fica a pergunta do início: com foco nos números, sem buscar a qualidade e a formação humanista e técnica com excelência, estarão estas universidades preparando os profissionais adequados aos desafios que temos?

Vamos repetir no ensino superior a trajetória do ensino fundamental? Garantir o acesso para depois pensar na qualidade? Não é possível resolver em conjunto esses desafios?

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