“É preciso coragem para persistir nos caminhos da mudança e valorizar escolhas diferentes das que trouxeram a humanidade à beira do colapso.”
Somos, por natureza, seres consumidores e estamos no topo da cadeia alimentar. Logo, consumir é nosso destino natural, o problema são os excessos. Excesso de gente, que já está demais e que continua se multiplicando globalmente, embora se reduza em diversos países e regiões. Cada boca que nasce demanda mais recursos naturais, que não são infinitos. Mas existe um excesso ainda pior: o da desigualdade social, que permite que uns poucos possam se apropriar de mais recursos que a maioria. Ou seja, não adiantará muito diminuir o excesso de gente sem também diminuir a ganância.
O mundo atual se construiu em torno da falsa idéia de que o mercado será capaz de suprir as necessidades humanas a ponto de aceitarmos a organização da sociedade em classes sociais em razão do poder de consumo. Quem pode consumir muito pertence às classes altas; os remediados, à classe média; e os pobres, às classes baixas. A reboque do conceito do poder aquisitivo, surge quase que naturalmente a falsa noção de que os que têm muito são mais importantes e com mais direitos do que os que não tem, e isso é absolutamente falso, pois somos todos iguais em dignidade e direitos. O mercado só consegue ser solução para os que têm dinheiro. Para os demais, é preciso políticas públicas.
O problema não está só no colapso ambiental, mas no colapso ético e moral que nos põe em risco enquanto humanidade e civilização muito antes de desaparecermos enquanto espécie. Se as pessoas aceitarem a idéia de uma sociedade que valoriza o dinheiro acima dos valores humanos, acumular riquezas pode tornar-se um fim em si mesmo em vez de meio de vida. Aliás, a própria idéia de vida pode se empobrecer a ponto de resumir-se em produzir numa ponta e consumir na outra. Bem longe da idéia de viver em abundância e plenamente. Em vez de nos tornarmos mais solidários e cultivarmos bons valores e cidadania, acabaremos valorizando muito mais o individualismo, o materialismo, a competição desmedida e a insensibilidade com os menos favorecidos.
E tudo isso baseado numa mentira – a de que, se todos alcançarem os mesmos padrões de consumo dos mais ricos, será possível haver recursos naturais para todos. Fazer com que todos acreditem nessa mentira é conveniente para os que dominam e controlam os recursos e as riquezas, pois, em vez de exigir mudanças, as pessoas irão querer que tudo continue como está, na esperança de que um dia chegará a sua vez e que só não chegou ainda por que não foram suficientemente capazes ou merecedores. Não é de se admirar que seja tão difícil ser sustentável e compatibilizar progresso e meio ambiente. Mas não é impossível.
Não só outro mundo é possível como já vemos por todos os lados os sinais de mudança. Por mais que alguns gostem de se iludir com falsas promessas de consumo, eles percebem os sinais de esgotamento do planeta. Um novo mundo já está nascendo do velho mundo. O que assistimos são as dores do parto.
Precisamos é de coragem para persistir nos caminhos da mudança e valorizar escolhas diferentes das que trouxeram a humanidade à beira do colapso.
Não temos de comprar tudo o que vemos nas prateleiras. Não temos de acreditar em tudo o que se diz nas propagandas e devemos duvidar das informações tendenciosas, mentirosas e manipuladores. Não temos de seguir a moda e descartar um produto que ainda serve. Não precisamos de nenhum bem de consumo para amar e ser amados, para ser felizes ou para nos sentirmos importantes e reconhecidos socialmente.
Da mesma maneira que temos a liberdade de consumir o que nosso dinheiro ou crédito a perder de vista nos permite, também temos a liberdade de recusar o consumo desperdiçador de recursos. Podemos escolher consumir criteriosamente, apenas para atender a necessidades objetivas e realmente necessárias, preferir produtos socioambientalmente responsáveis, recicláveis, que fortaleçam as cadeias produtivas locais e a criatividade de nossos trabalhadores e artesãos. Podemos consumir de maneira planejada, em vez de agir por impulso. Temos o poder de dizer sim e também de dizer não. Somos nós o poder do mercado.
Não foi o consumismo que nos fez assim. Ele apenas aproveitou a oportunidade por agirmos dessa forma e encheu as lojas e prateleiras e nossos sonhos e desejos de bugigangas e objetos que no final podem nem ser tão importantes para vivermos uma vida plena e feliz.
Os inimigos não estão fora de nós. Para resolvermos a crise socioambiental em que nos metemos, teremos de ter a coragem de admitir que somos uma parte importante do problema - e também da solução.
* Vilmar Berna é escritor e jornalista, editor da Revista do Meio Ambiente e do Portal do Meio Ambiente.
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