A empresa C&A mobiliza 40 de seus fornecedores para assinar, em conjunto com ela, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
A C&A, uma das maiores redes de varejo de moda do Brasil, assinou, em 23 de fevereiro de 2011, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O fato merece destaque por pelo menos dois motivos: a rede é a primeira do setor a tornar-se signatária deste compromisso voluntário do empresariado para acabar com o trabalho escravo no país; e fez isso junto com mais 40 fornecedores, que também se comprometem a monitorar suas próprias cadeias de suprimentos para erradicar essa prática dos negócios.
A adesão da C&A e de seus 40 fornecedores representa um marco no movimento do empresariado em prol do trabalho decente e um exemplo de como as empresas em geral podem lidar com esse problema, que é recorrente em vários setores da economia brasileira.
Para a C&A, essa nova atitude diante do problema começou a ser construída em 2006. Naquele ano, a revista do Instituto Observatório Social havia publicado um estudo sobre a cadeia de valor no setor de vestuário, no qual demonstrava que a C&A vendia roupas feitas por imigrantes em malharias clandestinas. O esquema apurado era o seguinte: a C&A precisava costurar as roupas que vende. Para isso, contratava malharias legalmente instaladas na capital paulista. Essas malharias, por sua vez, repassavam o trabalho para terceiros, entre os quais alguns que utilizavam a mão de obra de imigrantes clandestinos ilegais, principalmente bolivianos. Eles trabalhavam sem registro em carteira, em condições precárias e insalubres e sem a garantia de qualquer direito social.
Na época da reportagem, a C&A não aceitou conversar com o Observatório Social para expor a sua versão dos fatos. Respondeu perguntas por escrito, nas quais afirmou zelar para que a sua cadeia de fornecedores trabalhasse na mais estrita legalidade. Uma resposta que qualquer empresa daria, se pega com problema semelhante. E a C&A poderia ter continuado a agir, ou melhor, a reagir conforme as circunstâncias. Mas o fato é que os gestores decidiram fazer diferente e encarar o problema para erradicá-lo, ao menos da sua própria cadeia.
Assim, ainda em 2006, a empresa iniciou um processo interno para erradicar o trabalho análogo à escravidão, adotando várias ações. Uma das principais foi um levantamento de toda a cadeia produtiva, com o registro de todos os contratados diretos e indiretos. Chegou a 2.000 fornecedores.
A C&A criou, ainda em 2006, a empresa independente Organização de Serviço para Gestão de Auditorias de Conformidade (Socam), com o objetivo de buscar a melhoria contínua das condições de trabalho na sua cadeia produtiva. Com a Socam, a C&A tornou-se a primeira rede de varejo do Brasil a auditar toda a sua cadeia produtiva.
A empresa realiza constantemente o monitoramento de todos os seus fornecedores e subcontratados, com o objetivo de garantir que os trabalhadores tenham condições adequadas para exercer suas funções e, por outro lado, para que seja oferecido um produto íntegro aos clientes. Para isso, são realizadas visitas periódicas, sem aviso prévio, aos fornecedores e subcontratados. Além de vistoriar os locais, a Socam também orienta e apoia os fornecedores na melhoria das condições de trabalho, por meio da realização de planos de ação.
Além disso, a companhia sempre orienta seus fornecedores e subcontratados pelo que está disposto no Código C&A de Conduta para Fornecimento de Mercadorias.
Em seguida, a rede deu um passo além. Entendendo que o problema atinge toda a cadeia do vestuário e que uma andorinha só não faz verão, buscou os concorrentes e com eles articulou a Associação Brasileira para o Varejo Têxtil (ABVTex), que, em setembro do ano passado, lançou o Programa de Qualificação de Fornecedores para o Varejo. Trata-se de uma iniciativa inédita e pioneira do setor, que vai disseminar os princípios e valores da responsabilidade social empresarial entre os fornecedores e subcontratados desses varejistas. O objetivo é estabelecer um novo ambiente de negócios na cadeia têxtil, baseado na ética, na transparência e no trabalho decente.
O programa da ABVTex promove a qualificação da cadeia têxtil e auditorias para o monitoramento das práticas, dos compromissos e da gestão das empresas fornecedoras em relação aos seguintes critérios, considerados fundamentais para um bom ambiente de negócios no setor do varejo têxtil:
• trabalho infantil;
• trabalho forçado ou análogo à escravidão;
• trabalho estrangeiro irregular;
• liberdade de associação;
• discriminação;
• abuso e assédio;
• saúde e segurança do trabalho;
• monitoramento e documentação;
• horas trabalhadas;
• benefícios;
• monitoramento da própria cadeia produtiva; e
• meio ambiente.
A trajetória da C&A, da negação ao enfrentamento sério e comprometido do trabalho análogo à escravidão, vem tornando a empresa referência internacional no tema. Mas é bom lembrar que, aqui no Brasil, o esforço da C&A faz parte de outro compromisso maior, já assumido voluntariamente por 140 empresas: o do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que a C&A acaba de assinar, junto com 40 de seus fornecedores.
Esse pacto também nasceu de ampla articulação com diversos setores da economia. Começou em 2004, quando o Observatório Social publicou em sua revista uma reportagem chamada “Escravos do Aço”, em que desvendava o uso de trabalho análogo à escravidão pelas carvoarias do norte do país, na produção do ferro-gusa que alimenta as siderúrgicas da região.
Três grandes empresas eram mencionadas na matéria. Na oportunidade, o Instituto Ethos convidou essas três empresas, entidades sindicais, o próprio Observatório Social e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) para discutir o que poderia ser feito para reverter a situação. Dessa articulação surgiu o Pacto Empresarial das Siderúrgicas do Norte do País pela Erradicação do Trabalho Análogo à Escravidão e também o Instituto Carvão Cidadão, que, entre outras atividades, realiza auditorias nas carvoarias para prevenir a ocorrência de trabalho escravo e capacita trabalhadores libertos para o mercado e o convívio social.
O sucesso desta iniciativa incentivou a OIT a mostrar ao Ethos o relatório que preparou evidenciando a existência de escravidão em outros setores econômicos. Promovendo o mesmo processo de diálogo multissetorial, o Ethos, o Observatório Social, a ONG Repórter Brasil, a OIT, o Ministério Público do Trabalho, entidades da sociedade civil e empresas firmaram, em 2006, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Por meio dele, os signatários se comprometem, voluntariamente, a monitorar suas cadeias de fornecimento, a alertar as autoridades a respeito de ocorrências de trabalho escravo e a cortar relações comerciais com empresas constantes na “lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego.
O trabalho análogo à escravidão ainda existe no Brasil e precisa ser erradicado. O Estado tem um importante papel para que esse objetivo seja atingido. Mas as empresas podem contribuir bastante para que essa vergonha seja suprimida de vez da sociedade. A C&A, sem dúvida, mostrou um caminho para isso.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
E se esta moda pega?
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