O fogo fora de controle e as mudanças nos sinais da natureza preocupam os índios xinguanos, que veem pássaros e caças rarear.
O sol ainda nascia entre as nuvens de fumaça no Parque Indígena do Xingu (PIX), no domingo, dia 5 de setembro, quando um barco com 15 jovens do povo Yudja (conhecidos também como Juruna) saíram da aldeia Tuba Tuba, em direção ao Posto Indígena Diauarum, para combater os quatro focos de incêndio que já queimaram vários hectares de floresta. Após percorrer 30 quilômetros até o Diauarum, o grupo se uniu a 16 jovens do povo Kawaiweté (conhecidos também como Kaiabi) para traçar uma estratégia de combate ao fogo. Esta foi a primeira ação organizada e executada pelos brigadistas indígenas que passaram pelo treinamento de combate a incêndios florestais realizado pelo ISA (Instituto Socioambiental), com o apoio da empresa Guarany, empresa que produz implementos agrícolas e de combate ao fogo, e do Prevfogo do Ibama, entre os dias 10 e 18 de agosto. Saiba mais.
Apesar de exercerem um trabalho voluntário, sem receber qualquer remuneração, aos jovens não faltava energia e convicção para sair a campo. “Tapi, da aldeia Tuiararé, pediu para a gente ajudar a apagar o fogo no Diauarum, por isso a gente está aqui. Já apagamos fogo em nossa aldeia, agora estamos aqui para ajudar os Kaiabi”, afirmou Dubaré Yudja, chefe de brigada da aldeia Tuba Tuba. Dubaré e sua equipe foram treinados por Emilton Paixão, brigadista do Prevfogo, que voltou ao PIX cinco dias após a formação das brigadas para apoiar as ações de combate. “Eles acordam cedo e ficam até tarde da noite apagando o fogo. Não falta disposição e resistência para esses meninos”, elogiou Paixão.
Wyrakatu Kawaiweté, chefe da brigada da aldeia Tuiararé, que fica a 36 quilômetros do PI Diauarum, garante que o esforço vale a pena. “Ficamos muito preocupados com esse fogo no Diauarum, então resolvemos juntar todos os indígenas para apagá-lo. Esse é um local importante para todos nós, pois tem a unidade de saúde… Essa fumaça prejudica até a visão dos pilotos que chegam de avião”.
Mas não é apenas no Diauarum que os focos de queimada estão se multiplicando. A longa estiagem e baixa umidade do ar que toma conta da região Centro-Oeste está colaborando para o avanço do fogo por toda a área do Parque. De acordo com informações do serviço de alerta de focos de queimadas na região da Bacia do Rio Xingu, produzido pelo ISA e denominado De Olho no Xingu, foram detectados 427 focos de queimada entre os dias 1º de agosto e 15 de setembro no PIX, considerando os dados de referência do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ao ver o fogo espantar os animais, queimar biodiversidade e aumentar a incidência de doenças respiratórias, os povos xinguanos estão se mobilizando para manter a floresta em pé.
Pa’at Kaiabi, coordenador da produção e comercialização do mel da Associação Terra Indígena Xingu (Atix), afirma que os xinguanos estão preocupados. “Usar o fogo na roça é algo de nossa cultura, mas a situação está ficando difícil e precisamos tomar cuidado com a maneira com que colocamos e apagamos esse fogo. Já estamos ficando sem palha para fazer nossas casas. Esse é o momento em que toda a comunidade deve se unir para apoiar nossos brigadistas a combater o fogo”.
Osmar Kaiabi, coordenador de transportes da ATIX, aponta outro problema. “A fumaça está terrível. Nem os pilotos dos barcos estão enxergando o caminho. Isso é sério e pode causar acidentes”.
Mudanças no clima do Xingu
Ao ouvirem os cantos das cigarras e os primeiros trovões nos meses de setembro e outubro, os índios do Xingu se preparam para a chegada das chuvas. Nos últimos anos, porém, os sinais da natureza não estão mais confiáveis. “Os insetos não têm mais força para chamar a chuva. As cigarras cantam o dia inteiro e a chuva não vem”, afirma Aturi Kaiabi, professor da aldeia Tuiararé. Sem a chuva, o ambiente fica mais seco e facilita o alastramento de focos de calor por todo o Parque.
As mudanças percebidas pelo povo Kawaiwete são relatadas em diversas outras comunidades indígenas do Xingu. Uma importante tradição que fica comprometida com essa situação é a queima da roça. “Nós, indígenas, temos o costume de queimar a roça quando ouvimos os sinais de que a chuva irá chegar. Como ela não chega, o fogo se espalha e fica fora de controle. É isso que está acontecendo este ano aqui no Xingu! Tem fogo para todos os lados”. Ele conta que no final dos anos 1970, o clima no Parque era bem diferente. A umidade natural não permitia o alastramento do fogo. “Antes chovia na época certa, a floresta tinha umidade, era muito difícil o fogo entrar na mata. Depois que começaram os incêndios no entorno do Xingu, aqui também ficou mais seco”.
Aturi conta que o mutum é uma das espécies de pássaros que existiam em abundância no Parque Indígena do Xingu, mas que hoje raramente são avistadas. “Antes a gente ouvia o mutum cantar todas as noites. Agora ninguém mais ouve o canto dele. A jacutinga também era uma ave muito comum aqui, mas hoje ela desapareceu”. Outros animais que habitavam o parque começam a se tornar mais raros. As caças também ficam comprometidas, segundo ele. “O fogo prejudica tudo. Diminui as frutas, as sementes, acaba com a comida dos animais, aí os animais vão embora e nós não temos mais o que caçar”.
A disponibilidade de peixes também é menor hoje, segundo Aturi. Ele observou um fenômeno importante, ligado ao longo período de estiagem, que influencia na reprodução dos peixes. “Na piracema, os peixes sobem o rio para desovar em pequenos lagos. Os peixinhos ficam ali esperando o nível da água subir para voltar ao rio e crescer lá. Hoje, o rio demora tanto a subir que o lago seca e peixinhos acabam morrendo antes. É muito triste”.
Fonte: ISA, Fernanda Bellei.
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