terça-feira, 3 de novembro de 2009

Desapego e Sustentabilidade

Por Zé Bueno
Em agosto deste ano, preso em um destes congestionamentos insuportáveis em São Paulo, senti uma estranha vergonha. Uma vergonha ao me perceber como mais um cidadão usando o carro como transporte, achando que os outros é que atrapalham o trânsito. Em outras palavras percebi que eu não era mais uma vítima do caos. Subitamente me percebi vilão da história. É claro que o meu carro não causa 200 km de engarrafamento. Mas outros milhões de pessoas pensando exatamente como eu, que o problema são os outros, isso sim causa um inferno.

Num surto de consciência cívico/ambiental decidi abandonar o carro na
garagem durante o mês de setembro e experimentar todos os outros meios de
transporte disponíveis: ônibus, metro, caminhada, taxi, carona, bicicleta e
trem. Hmmm. Ficar sem carro não quer dizer ficar a pé nem sinônimo de
imobilidade. Depois de 30 anos usando carro, praticamente uma adicção,
mergulhei nesta aventura. E gostei. Não virei xiita, nem xaato, e não estou
querendo pregar nada. Mas descobri coisas interessantes neste processo todo.
Entre elas que construir um mundo melhor passa por deixar coisas do mundo
pior. Isso envolve desapego de idéias, de hábitos, de padrões e de coisas. E
minha sensação é que - de modo geral - somos bem ruinzinhos neste quesito
desapego. A maioria quer mudança, mas não quer mudar. Tem muita gente
querendo mudar o mundo lá fora e deixando as pequenas coisas por perto para
outro dia. Ouço três vezes por dia ao menos a palavra sustentabilidade, mas
não ouço com essa mesma freqüência a palavra desapego. Para mim hoje, depois
da aventura de brincar de não ter carro, saber morrer é tão importante como
saber viver. O melhor: isso pode ser divertido e contagiante.

Conheça mais sobre o Zé Bueno no seu blog: http://zerobueno.blogspot.com/

5 comentários:

  1. Muito interessante. Ao andar de lotação aqui em Porto Alegre fico admirada com a quantidade de carros trafegando pela avenida Ipiranga e com apenas o motorista (nem um carona). Acho lamentável, pois o transporte público em Porto Alegre não é dos piores e, pra quem quer um pouco de conforto, as Lotações são ótimas.
    Adorei a sua atitude e aprovo 100%
    Vanessa Gomes
    Abraços,

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  2. Oi Vanessa.

    Legal ler uma resposta de POA. Fiquei surpreso em saber que por aí também a maioria anda sozinha no carro. Até quando??? Não é cafona?

    Uma frase que ouvi muito por aqui é que "se o transporte público fosse melhor até usaria, mas do jeito que está não dá..." Fico com a impressão de que é uma opinião vencida pois o transporte público que usei(e continuo usando) está ótimo. Claro que faltam ônibus, falta educação, falta uma política pública explícita que favoreça o pedestre, o ciclista, o idoso e acima de tudo o usuário de transporte coletivo em São Paulo. No fundo penso que a maioria de nós foi hipnotizada por muitos anos a pensar em carro como uma peça de vestuário não como meio de transporte. Ninguém divide um casaco com outra pessoa e cada um tem que ter o seu. E as caras campanhas publicitárias continuam a vender status e liberdade quando vendem carros no horário nobre da TV e nas páginas das revistas semanais. Eu hein ... liberdade para mim é outra coisa.

    Vou ficar feliz quando for chique andar de metrô em São Paulo como é chique andar de metrô em Paris ou Nova York. Ou quando tiver política forte e propaganda forte incentivando outros meios de locomoção pela cidade.

    Por enquanto, para muita gente, transporte público parece que é coisa para gente menor, não para quem está ocupada com grandes questões...

    A conversa está aberta. Mais pitacos?

    Abraços

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  3. Olá José Bueno, velho amigo novo (num bom sentido, claro)!
    Seu texto foi como um flashback pra mim. A partir do momento que resolvi me desapegar do carro (antes eu era só desleixado com ele, mas ainda o usava) descobri caminhos (da vida e das ruas) inéditos, o que remete à experiências fantásticas.
    Já tive minha "fase" a pé, fazendo longas jornadas por toda São Paulo andando; experimentei, e ainda experimento esporadicamente, todos os modais de transporte público, todas as estações de trem/metrô em todas as estações do ano.
    Hoje minhas experiências mais frequentes e cativantes são com a bicicleta. Não apenas pelo exercício ou para fugir do trânsito, mas por sentir que eu passei de um estado de SOBREvivência na cidade para outro de CONvivência com ela. Novamente experiências fantásticas...
    Estive recentemente em Copenhagen, enquanto pedalava pelo mundo, e descobri que lá as bicicletas fazem parte do caos da cidade. São equivalentes aos carros de São Paulo. Quando questionados sobre porque pedalam, as respostas dos dinamarqueses se resumiam na rapidez de deslocamento ou mais resumido ainda: "porque sim!"
    Talvez por ainda estarmos em um estágio primitivo de uso de bicicleta como meio de transporte, temos todas essas reflexões como se fosse uma descoberta de outro mundo! Pensando em seu texto, realmente, estamos tão alienados, dentre outras coisas, ao uso do carro que, para nós, usar bicicleta é coisa de outro mundo!
    Parabéns e obrigado pelo texto.
    Um abraço,

    João Paulo Amaral

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  4. Olá João

    Que inspiração ler tuas palavras por aqui!
    Começo a perceber que a comunidade ciclista em São Paulo está cada vez mais volumosa e organizada, o que está levando o governo e a prefeitura a pensar as ciclovias como uma necessidade importante. A bicicleta está emergindo como meio de transporte legítimo e não só como objeto de lazer aos finais de semana.

    Adorei sua tradução de liberdade como alguém que deixou de SOBREviver na cidade para CONviver com ela. Genial! Somos dois caminhando na mesma direção.

    Amanhã, dia 25.11, estarei presente no ato de fundação da Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo. Mais uma organização civil em torno de um interesse específico de um grupo de cidadãos do mesmo município. E na sexta estarei na Bicicletada que começa às 20h na Av. Paulista. Você sabe e eu sei que estas organizações são o ponto de partida para se cobrar do poder público melhorias, investimentos e leis que contribuam com o bem estar da nossa comunidade. Este envolvimento com o Ciclismo Urbano me leva a
    procurar saber também das associações de pedestres e usuários de transporte público. O pedestre é de longe a categoria mais esculhambada e maltratada na cidade. A calçada é uma terra de ninguém, descuidada e esburacada e à noite não há iluminação na calçada por que as luzes iluminam as ruas para garantir a segurança. Dos carros. Não tem o que me faça entender por que a maior parte da iluminação pública não serve o público que anda a pé!

    Imagino que o uso irracional do carro, que as campanhas publicitárias ainda vendem como símbolo de status, independência, conforto e segurança, terá o seu significado invertido tal como o que aconteceu com o consumo do cigarro que por muito tempo foi associado ao poder, à sedução, à aventura, à masculinidade e até mesmo à saúde.

    Bom, fico por aqui.
    Abraços e até breve!

    José Bueno

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  5. Olá José!
    Bom ler o seu post! Tão bom que ele inspirou um post no meu blog: http://1-mundo-melhor.blogspot.com/2011/04/o-problema-sao-sempre-os-outros.html
    Grande abraço!

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