O governo de Moçambique está oferecendo a agricultores brasileiros o aluguel de uma área de 6 milhões de hectares, similar ao cerrado brasileiro, para plantio de soja, algodão e milho. A escolha de brasileiros deve-se a dois fatores: o idioma português, que é o mesmo nos dois países, e a experiência bem-sucedida de plantio no cerrado, que transformou uma região considerada inadequada para a agricultura em um dos celeiros do mundo.
A oferta de concessão não deixa de ser um reconhecimento aos avanços tecnológicos obtidos pelo agronegócio brasileiro. Mas será que se reproduzirão em Moçambique os mesmos problemas que ainda não foram resolvidos aqui, como a adoção do trabalho decente e de práticas de preservação ambiental? Ou poderemos aprender, pela experiência africana, a resolver os problemas do campo aqui no Brasil?
Moçambique fica na costa oriental da África, no lado do Oceano Índico, fazendo fronteira com a África do Sul. Colônia portuguesa, conquistou sua independência em 1975. Viveu um período de guerra civil até 1992 e desde então os governos locais vêm empreendendo esforços para melhorar o nível de vida da população.
Atualmente, o país tem quase 21 milhões de habitantes, 70% deles vivendo na zona rural. Esse fato, aliado ao de a agricultura ainda ser de subsistência e de haver minas terrestres espalhadas por todo o interior, tem dificultado o crescimento do país. Com investimentos chineses, alguns setores vêm conseguindo se desenvolver e atender as demandas da população. No entanto, a agricultura, estratégica para um país que precisa fazer divisas e alimentar a população, não consegue superar o estágio de subsistência, o que causa freqüentes carestias na cidade e torna o país muito dependente de importação de alimentos.
Como a excelência da agricultura brasileira é reconhecida mundialmente desde, pelo menos, os anos 1980, Moçambique resolver oferecer uma oportunidade rara a produtores agrícolas brasileiros: desenvolver uma região de cerrado equivalente a três vezes o tamanho do Estado de Sergipe.
O reconhecido à agricultura brasileira se deve, na maior parte, à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), uma instituição pública vinculada ao Ministério da Agricultura. Fundada em 1973, ela tornou-se fundamental para o desenvolvimento da agricultura tropical. Por isso, também está presente em mais de 50 países das Américas e da África. Essa expansão se baseia no sucesso das pesquisas realizadas e porque não há outra entidade no mundo que tenha foco na agricultura tropical.
O projeto em Moçambique
A Embrapa entende realmente de cerrado. Tanto que Edison Lobato, pesquisador aposentado da entidade, e o produtor rural e ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, sob cuja gestão foi criada a Embrapa, ganharam o World Food Prize em 2006, justamente pelo fato de a empresa ter transformado o cerrado em ambiente viável para a agricultura e, mais do que isso, num dos celeiros do mundo.
A Embrapa já desenvolve pesquisas em Moçambique e o governo local resolveu ampliar a parceria para transformar a imensa região de savana, similar ao cerrado, em pólo agrícola no país. Para tanto, está oferecendo a agricultores brasileiros a concessão por 50 anos de 6 milhões de hectares. A concessão pode ser renovada por mais 50 anos e quem aceitar a oferta precisará pagar um imposto anual de aproximadamente R$ 21 por hectare.
Trata-se de uma grande vantagem econômica, pois não exige investimento original em compra de terras. Por isso, atravessar o Atlântico para plantar soja, algodão ou milho está sendo considerado uma idéia bem atrativa para os produtores brasileiros.
O governo moçambicano quer que os agricultores brasileiros empreguem 90% de mão de obra local. A Embrapa, que já está presente na região onde as terras são oferecidas, se responsabilizará pela capacitação e transferência de tecnologias. A organização tem duas estações de pesquisa no local, onde testa sementes de algodão, sorgo, milho e feijão do cerrado brasileiro para adaptá-las à savana moçambicana. As sementes serão depois adquiridas pelos agricultores para plantio.
As semelhanças da área oferecida aos brasileiros não se restringem à composição do solo. Como no início da ocupação do cerrado brasileiro, a região de savana em Moçambique é ocupada em parte por pequenos agricultores e em parte está despovoada. A parte despovoada é que está sendo oferecida aos agricultores brasileiros.
A presença do agronegócio brasileiro na África não deve se restringir a Moçambique. A GV Agro pretende iniciar em 2012 uma visita a vários produtores agrícolas brasileiros para incentivá-los a produzir em países como Senegal. Zâmbia, Libéria e as Guinés.
O Brasil pode levar sua expertise de agricultura tropical também para a América Central, contribuindo para diminuir o déficit de alimentos nos países da região, que são a nova fronteira agrícola do mundo. E não há problemas de concorrência. Afinal, já há 7 bilhões de seres humanos no mundo e a estimativa é de que sejamos 9 bilhões até 2050.
Brasil potência
A proeminência brasileira no agronegócio vem dos esforços de pesquisa e capacitação da Embrapa. Vale a pena mencionar isso, porque a maioria dos brasileiros não faz a menor idéia de quanto essa instituição tem feito pelo desenvolvimento da pesquisa agropecuária no país.
O pioneirismo e a ousadia dos produtores rurais brasileiros também não podem deixar de ser mencionados. O Brasil é hoje o celeiro do mundo e com valor agregado, porque a soja brasileira tem alta tecnologia embutida em cada grão. No entanto, ainda há desafios a vencer: o do trabalho decente e o de práticas ambientais corretas, cujas conseqüências são o desemprego no campo, o trabalho análogo à escravidão e a degradação dos biomas, inclusive o cerrado.
No momento em que a excelência tecnológica permite ao agronegócio brasileiro ir além das fronteiras nacionais, não seria bom pensar em rever algumas práticas ainda adotadas em nosso país e iniciar esta caminhada com projetos bem estruturados do ponto de vista da responsabilidade socioambiental?
Ao contrário de outras nações que já estiveram na África (e ainda estão), o Brasil não vai para lá com o objetivo de extrair riquezas, mas de transferir tecnologia agrícola para com isso firmar-se como liderança em economia verde. Mas não basta ser verde. É preciso também ser socialmente includente e ético.
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