segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tecnologia, trabalho e valores

Uma das grandes conquistas da sociedade industrial foi a divisão das atividades de um dia em jornadas de 8 horas, sendo a jornada semanal de trabalho de 40 horas, e o descanso, de 48 horas.

Quando, nos anos 1990, a revolução tecnológica tornou-se uma realidade cotidiana, dizia-se que o ganho de produtividade na indústria abriria milhões de oportunidades no setor de serviços e este, também beneficiado pelas inovações tecnológicas, poderia oferecer o melhor dos mundos aos trabalhadores: jornada menor, oportunidade de estudar e de passar mais tempo com a família e os amigos.

Hoje, já ultrapassando a primeira década do século 21, vemos ocorrer justamente o contrário desta “utopia”: a tecnologia, em vez de libertar, tornou as pessoas cativas das atividades profissionais, com a jornada de trabalho avançando sobre qualquer tempo “livre” do profissional.

Na verdade, parece que estamos no limiar de uma era em que o tempo pessoal e o período de trabalho vão ficar tão misturados que será difícil distinguir um do outro. Esta era já tem nome: era do trabalho imaterial ou intelectual, cujos empregos são gerados pelo setor de serviços e cujas funções podem ser desempenhadas de qualquer lugar, a qualquer hora. A produtividade depende, claro, da tecnologia, mas igualmente do conhecimento.

Ainda não existem pesquisas em larga escala sobre as conseqüências desta mudança de paradigma no mundo do trabalho. Há, no entanto, estudos isolados, feitos nos EUA e na Europa, que trazem alguns dados importantes, como relatados na matéria de capa da revista Carta Capital desta semana.

Na Inglaterra,o descanso semanal caiu de 48 para 27 horas. Uma pesquisa da Universidade de Uppsalla, na Suécia, constatou que apenas 24% dos trabalhadores de 15 maiores países da União Européia cumprem jornadas regulares de trabalho – fora de horários noturnos, nos fins de semana ou em regime temporário. Os profissionais autônomos são os que têm as jornadas mais irregulares.

Nos EUA, 77% dos trabalhadores lêem emails à noite e 35% respondem demandas de trabalho quando estão com os filhos.

No Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) deve realizar, em breve, um pesquisa sobre o impacto da tecnologia no trabalho. Ainda não temos dados oficiais, mas sabemos, pela nossa própria experiência, que qualquer profissional de qualquer área trabalha nos finais de semana ou atende celular durante um jantar em família, não é mesmo?

Ainda que tenhamos os resultados apenas de outros países, é possível fazermos uma reflexão sobre este fenômeno, sob o ponto de vista da RSE.

Do ponto de vista profissional, se o tempo pessoal está misturado com o do trabalho, não há mais possibilidade de se dividir a vida em dois momentos, como fazíamos até agora: o de ganhar dinheiro e o de usufruir desse dinheiro durante o lazer ou descanso. Então, o trabalho precisa trazer muita satisfação; é cada vez mais fundamental gostar do que se faz, para o trabalho não virar uma permanente tortura.

Sob o ângulo da empresa, é preciso considerar que o tempo pessoal do funcionário está misturado com o do expediente e lidar com esta situação que tem reflexos não só nos negócios, mas na sociedade.

O sociólogo e escritor norte-americano Richard Sennett tem um livro sobre o que ele chama de “mundo do trabalho no novo capitalismo” que recebe o impacto não apenas das tecnologias, mas da globalização. O livro se chama “A corrosão do caráter” e nele, Sennett avalia as conseqüências dessas vertentes sobre o ser humano. Para ele, há dois efeitos mais evidentes. Em primeiro lugar, de ordem existencial, vamos dizer assim. Com o “tempo do emprego” invadindo todas as esferas do cotidiano, a vida emocional fica em segundo plano. E, sem vida emocional significativa, o ser humano não consegue desenvolver e assimilar valores. Outra conseqüência desta situação é o isolamento que promove um individualismo extremado.

O trabalho on line exige pouca ou nenhuma interação social. O profissional passa o dia na frente de uma tela, no máximo conversando via celular ou skype com outros profissionais que não conhece. Nada daquele papo sobre o fim de semana, a família, enfim, as conversas informais tão importantes na vida de qualquer ser humano, pois estabelecem vínculos emocionais, criando e consolidando valores como lealdade, compromisso, amizade, companheirismo. Retirado desde convívio e posto em lugar solitário, este profissional torna-se também imediatista, impaciente e sem visão da coletividade.

Como superar esta situação? Pelos valores. São eles que vão unir trabalho e emoção. E para fazer esta junção é que a gestão responsável torna-se imprescindível, pois ela é orientada por valores, transparência e diálogo com os públicos impactados pelas atividades do negócio. Valores, transparência e diálogo tornam o ser humano menos individualista, porque o fazem sentir-se “pertencendo a algo”; com isso, torna-se capaz de “perceber o outro” e construir empatia e visão mais coletiva do mundo.

Este sentido de pertencimento pode ser desenvolvido por meio de ações que promovam as relações sociais.

Mais do que esta “invasão”, no entanto, o maior dilema trazido pela tecnologia ainda não tem solução: como absorver bilhões de trabalhadores no mundo todo, nos próximos anos, se a tecnologia, mesmo com mais produtividade, não criou novos postos de trabalho; ao contrário, aumentou a jornada?

A sociedade, junto com as empresas, precisa refletir sobre esta questão e encontrar talvez mais de uma solução que pode significar a criação de novos direitos, civis e trabalhistas, que garantam renda e ocupação para os bilhões de profissionais do futuro, bem como uma sociedade sustentável.

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