segunda-feira, 11 de abril de 2011

O sutiã, a infância e a responsabilidade corporativa

por Jorge Abraão

Há alguns, uma polêmica invadiu os blogs e os tweeters brasileiros, repercutindo também nas mídias tradicionais: a venda de um sutiã com enchimento de espuma para meninas de 4 a 6 anos. Para torná-lo mais atraente, o sutiã vinha com personagens licenciados por uma companhia que é sinônimo de família e de confiança.

Embora o produto já estivesse esgotado nas lojas de São Paulo e do Rio, e tenha virado “febre” entre as meninas, os comentários nas redes e na imprensa eram indignados. Falou-se em “adultização” das crianças, em exploração precoce da sexualidade das meninas e até em irresponsabilidade das empresas que produzem e que comercializam o do produto.

A pressão foi tanta que, na quinta-feira, as empresas retiraram o sutiã do mercado e enviaram notas à imprensa, avisando sobre esta retirada. Mas, até o momento, esta ação não foi suficiente para estancar o impacto negativo na reputação delas, já que a indignação continua país afora.

Uma psicóloga da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Maria Luiza Bustamante, chegou a afirmar que um produto deste tipo, necessário apenas para adultos, pode ser prejudicial à formação das crianças. Foi taxativa na sua avaliação: “trata-se de mais uma tentativa da indústria de ganhar dinheiro a qualquer preço, sem se importar com a saúde das crianças”.

É possível que a Promotoria da Infância e da Juventude venha a adotar alguma providência judicial sobre este fato, o que pode acarretar processo para as empresas implicadas.

Este fato nos faz refletir como cidadãos e como participantes do movimento brasileiro da responsabilidade social empresarial.

As perguntas que vêm à mente, a partir desse episódio, são: quais os limites da atuação das empresas em seus negócios? Eles estão evidentes, ou seja, são percebidos como “limites” por todos os “outros” agentes da sociedade? Se sim, o que levou duas corporações com ilibada reputação no mercado a avançar o sinal? O produto vinha sendo um sucesso de vendas, mas vai deixar um passivo na reputação de empresas solidamente posicionadas que será difícil de recuperar em curto prazo. Valeu, então, o lucro financeiro obtido?

Não temos respostas prontas, mas, podemos contribuir para a reflexão a partir de um ponto de vista da gestão socialmente responsável.

Decisões comerciais não devem se sobrepor a interesses da sociedade.

As empresas que estão no mercado só estão por causa de uma “licença para operar” formal e informal. Esta última é dada pela reputação que a empresa constrói ao longo do tempo, de modo que os cidadãos consideram-na importante para suas vidas. Esta importância informal vem se desdobrando, nos últimos tempos, nas diversas demandas “transversais” com as quais um negócio precisa lidar para continuar operando. Por isso, a gestão responsável baseia-se no “diálogo com as partes interessadas” : para entender quais são as demandas transversais e como incorporá-las na estratégia corporativa. Quando o diálogo é bem construído, os limites de cada parte são entendidos – é o que se chama de consenso. Deste consenso podem derivar medidas de autoregulação de empresas e setores e de políticas públicas que passam a ser cobradas dos governos, em suas diversas instâncias. Um bom exemplo de auto-regulação, na sociedade brasileira, é o Conar – Conselho de Autorregulação Publicitária, uma ong fundada em 1980 por entidades representativas das agências de publicidade, dos anunciantes e dos veículos de comunicação. Qualquer cidadão pode encaminhar uma queixa contra ações publicitárias à entidade. Mas ele próprio monitora os anúncios veiculados e, quando considera ser o caso, encaminha “recomendação” para retirar as campanhas do ar. E é atendido.

A existência do Conar demonstra que a sociedade brasileira é de criar e manter mecanismos de autorregulação, mas a discussão sobre o que regular e como ainda precisa ser aprofundada. Precisamos, nós, brasileiros, definir o que consideramos aceitável e o que consideramos inaceitável. Por exemplo: comentamos, na quarta-feira, que o brasileiro almeja a paz como valor para uma sociedade futura, lembram-se? Pois, se isso é mesmo verdade, será que devemos aceitar a proliferação sem critério de jogos e videogames violentos? Se queremos mesmo a paz, está certo presentearmos nossos filhos com armas de brinquedo? Se nos preocupamos com a formação moral de nossas crianças, aceitamos a pressão consumista deles e compramos o que nos solicitam (o sutiã em questão era um sucesso de vendas até ser retirado do mercado)? Estamos ensinando nossos filhos a guiarem-se pela vida por meio de valores como honestidade, orgulho, ou pelo sucesso a qualquer preço?

Hoje, vamos deixar mais perguntas que soluções. Mas talvez seja esta a lição que fica do episódio. Precisamos nos questionar profunda e insistentemente, como cidadãos, profissionais e empresários, a respeito das nossas atitudes e da conseqüência delas para o futuro de nossas crianças.

Um comentário:

  1. Eu tenho muita, mas MUITA dificuldade mesmo em entender como NINGUÉM travou esse produto antes de ir para as prateleiras. É surreal esse nível de entorpecimento mental.

    Comentei rapidamente aqui->http://1-mundo-melhor.blogspot.com/2011/04/do-bullying-ao-tiroteio-em-escolas.html

    ResponderExcluir

Este é um blog para todos! Deixe o seu comentário aqui e ele se tornará um post após a categorização do moderador.
Obrigada.