segunda-feira, 4 de abril de 2011

Direitos humanos e práticas empresariais: entendendo as responsabilidades

Este foi o nome de um evento realizado em São Paulo, nos dias 30 e 31 de março últimos, reunindo CEOs e representantes de mais de cem empresas atuando no Brasil.

Na verdade, tratou-se mais de um fórum de líderes para troca de idéias sobre as dificuldades para integrar as práticas empresariais responsáveis e os direitos humanos.

Algumas questões discutidas:

- De que maneira as atividades da empresa causam impacto nos direitos das partes interessadas (público interno, comunidade, consumidores, fornecedores)?
- O que é necessário para expandir o conhecimento e a prática do respeito empresarial pelos direitos humanos, de uma forma favorável aos negócios?

Este evento foi organizado pelo Instituto Ethos, a Conectas, o Pacto Global da Onu e Levy & Salomão Advogados e pela GBI – Global Business Initiative for Human Rights (ou Iniciativa Global dos Negócios pelos Direitos Humanos, numa tradução livre), um projeto internacional que busca fazer avançar a discussão e a internalização dos direitos humanos nas práticas empresariais. A GBI trabalha em parceria com o Pacto Global das Nações Unidas e com o governo suíço. Para facilitar a compreensão de como direitos humanos e negócios podem e devem andar juntos, a GBI desenvolveu uma plataforma que integra estes direitos à gestão dos negócios.

Uma das áreas da responsabilidade corporativa que apresenta, talvez, os maiores desafios para as empresas, no século 21, é a dos direitos humanos. Este tema continua sendo prioritariamente uma responsabilidade de governos e de Estados. Mas, a sociedade demanda cada vez mais que as empresas respeitem estes direitos e contribuam para seu avanço, coibindo abusos em seu âmbito de atuação.

No entanto, é importante ressaltar que ser proativo em direitos humanos não é só uma questão de evitar riscos aos negócios. É a coisa certa a fazer. Mas quais são as responsabilidades de direitos humanos das empresas? Até onde devem ir? Como aplicar os direitos humanos nas estratégias, decisões e operações dos negócios?

John Ruggie, professor de Direitos Humanos de Harvard, decidiu debruçar-se sobre estas questões e teve o apoio da ONU. Tornou-se representante especial do secretário-geral das Nações Unidas para Direitos Humanos em 2005 e, durante três anos, fez pesquisa e consultas a empresas, governos e sociedade civil, nos cinco continentes. Em 2008, propôs às Nações Unidas, uma estrutura de políticas para gerenciar os desafios de empresas e direitos humanos.

A estrutura baseia-se em três pilares: o dever do Estado de proteger os cidadãos contra os abusos aos direitos humanos por parte de terceiros, inclusive empresas; a responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos; e total acesso das vítimas a recurso efetivo, judicial e extrajudicial.

O dever do Estado enfatiza que a conduta-padrão dos governos deve ser prevenir e solucionar os abusos, caso contrário podem ser responsabilizados por não lidar apropriadamente com a questão, inclusive com abuso por parte de empresas. Por lidar apropriadamente entenda-se não apenas estabelecer marcos legais que protejam os DH, usar os instrumentos da Justiça para coibir e/ou punir os abusos, mas também respeitar estes direitos em seus próprios órgãos e empresas, dentro e fora do país, bem como trabalhar em conjunto para prevenir e lidar com alguns notórios abusos perpretados por empresas.

Ruggie define responsabilidade corporativa de respeitar como atuar com o devido cuidado para evitar a violação dos direitos dos outros. Este dever vai além do cumprimento das leis nacionais. As empresas podem assumir responsabilidades adicionais voluntariamente, como, por exemplo, fazer avançar a agenda do trabalho decente nas suas operações em determinado país.

Necessidade de fácil acesso à justiça inclui mecanismos estatais que garantam acesso ao sistema judicial e também mecanismos em nível corporativo, que operam por meio do diálogo e da mediação, tipo canal de reclamações, arquivo de acompanhamento da reclamação, encaminhamento ao sistema judiciário, se for o caso, e informação sobre andamento da demanda.

Levando em conta estes três pilares, Ruggie também propôs um Guia para Integração de Direitos Humanos na Gestão dos Negócios, que oferece orientações práticas para empresas que queiram assumir uma abordagem proativa em relação a direitos humanos em suas operações. Tem utilidade para negócios de qualquer porte, de qualquer natureza, sejam estatais ou privados.

Este guia sugere cinco etapas para a integração:

- Entender o que são direitos humanos
- Entender como os direitos humanos se relacionam com negócios
- Identificar riscos, responsabilidades e oportunidades para o seu setor
- Desenvolver a integração na sua empresa
- Obter comprometimento dos executivos e engajamento dos funcionários

Casos práticos – Estas orientações visam trazer para o mundo “concreto” das empresas um tema que os próprios profissionais ainda acreditam estar relacionado com ocorrências de maus tratos em âmbito policial (estatal). Esta dificuldade ficou bem evidente nesse evento do final de março.

O vice-presidente de Cidadania Corporativa da GE, Bob Corcoran, presente à reunião, afirmou que o primeiro passo da companhia, ao iniciar a política de DH, foi qualificar os colaboradores, que viam direitos humanos como casos de tortura. A dificuldade atual é mostrar aos fornecedores que eles devem monitorar a sua cadeia produtiva, porque eles entendem esta tarefa como custo e não com investimento.

O vice-presidente da mineradora colombiana Cerrejón, Julián Gonzáles, também apresentou as dificuldades de se fazer um diagnóstico dos impactos do negócio sobre os direitos humanos. Em pouco mais de cinco anos, a partir de alianças intersetoriais, envolvendo governos locais, organizações sociais e comunidades diretamente atingidas pela extração de minério e carvão, mais de 14 mil pessoas foram qualificadas sobre direitos humanos.

Nesse trabalho, a população de mais de 300 comunidades diretamente relacionadas ao negócio entendem o que ocorre a sua volta, sabem onde estão os problemas e fazem chegar à empresa formas de compensação, principalmente nas comunidades indígenas. Trata-se, no fim, de uma espécie de licença social para operar.

A iniciativa já criou uma ouvidoria apenas para levantar as constatações da população e, com isso, criar uma radiografia local que baseia as estratégias da empresa.

As empresas brasileiras que já têm forte atuação no combate ao trabalho infantil e ao trabalho análogo à escravidão podem contribuir muito para que os direitos humanos entrem de vez na estratégia e na agenda corporativas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este é um blog para todos! Deixe o seu comentário aqui e ele se tornará um post após a categorização do moderador.
Obrigada.