quarta-feira, 23 de março de 2011

Brasil: o longo caminho até uma sociedade mais igualitária

Mesmo com a redução importante e consistente da desigualdade de renda no país, as oportunidades ainda são restritas para quem nasce pobre no Brasil. Pesquisa recente mostra que a ascensão social para quem vem “de baixo” ainda é uma corrida de obstáculos.

Uma reportagem publicada no Valor da última sexta-feira ajuda a lançar luzes sobre a questão.

A matéria comenta o estudo lançado pelo pesquisador Carlos Costa Ribeiro, denominado “A dimensão social das desigualdades”. Ribeiro é coordenador no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

O estudo mostra que houve ganho de mobilidade social no Brasil entre 1973 e 2008. Em 73, o índice de mobilidade total dos brasileiros (destino diferente de sua classe de origem) era de 51,8%. Em 2008, era de 67,8%. Registrou-se também uma diminuição de 17,9% no peso da origem em relação ao destino, no mesmo período. Quer dizer: em 1973, os filhos de profissionais mais qualificados tinham 15 vezes mais chances de se tornar profissionais mais qualificados. Em 2008, essa proporção diminuiu para 9,6 vezes. Todavia, o pesquisador nota que o impacto da origem de classe sobre o destino profissional não se alterou profundamente. Em 73, um profissional qualificado vindo de uma família de profissionais qualificados tinha 3,3 vezes mais chances de ocupar boa posição no mercado de trabalho do que o filho de um trabalhador manual. Esta diferença foi sendo reduzida até 1988 e chegou a 2,71 vezes, mantendo-se estável desde então. Ou seja, alguém de origem mais pobre vai precisar lutar o dobro para conseguir a mesma posição de alguém que já veio de uma família mais bem colocada na sociedade.

A desigualdade econômica e social produziu outro tipo de desigualdade: a de oportunidades, que não muda “espontaneamente”, quando a renda dos mais pobres cresce mais que a dos mais ricos. Comparando entre o que foi herdado e o que foi adquirido entre gerações de famílias de várias origens sociais, o estudo de Ribeiro concluiu que, embora a educação seja muito importante, outros fatores também possuem um peso relativamente grande na ascensão social, tais como: escolaridade da mãe, número de irmãos de capital cultural. Todos bens intangíveis que não podem ser medidos em renda. O capital socioeconômico da família também tem peso decisivo. Uma família com imóvel próprio tem mais chances de não se desestruturar numa situação de desemprego do que outra que paga aluguel. No que tange ao capital social, como nem todos possuem boas redes de relacionamento, o emprego público funciona como um mecanismo de ascensão. Por isso, o Estado brasileiro é muito cobiçado como empregador.

Para ser mesmo um país democrático, o Brasil precisa dar oportunidades iguais a todos. E o acesso a estas oportunidades precisa ser discutido profundamente em nossa sociedade. Não é algo simples, porque implica disponibilidade de aceitar e conviver com o diferente em pé de igualdade. Num país em que a riqueza da família e a qualidade da escola na etapa de vida anterior são fundamentais e pétreas no destino dos cidadãos, podemos almejar uma mudança?

Sim, mas não sem esforço dos governos, das empresas e da própria sociedade.

O primeiro fator é garantir educação pública de qualidade e acesso à cultura para todos. Outro fator é estabelecer políticas públicas que beneficiem quem trabalha. Um exemplo: São Paulo tem 214 mil ciclistas, 70% deles usam a bicicleta para trabalhar. No entanto, as ciclovias e outros equipamentos focam os 30% que a utilizam para lazer.

Se invertermos a lógica para beneficiar a maioria que precisa da bicicleta para trabalhar, teremos todos os ciclistas convivendo no mesmo espaço.

Sobre a diminuição das desigualdades

Analisando a série histórica da Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílios (PNAD), o pesquisador Marcelo Nery, da Fundação Getúlio Vargas, verificou que, entre 2001 e 2008, os 10% mais pobres, no Brasil, obtiveram ganhos de 72% de renda no período, enquanto os 10% mais ricos acumularam ganhos de 11,4%. Ou seja, do ponto de vista do avanço econômico, os mais ricos estão vivendo num país relativamente estagnado e os mais pobres experimentam um ritmo de crescimento muito acelerado. Em termos regionais, São Paulo e Rio também cresceram menos que o Nordeste.

Dois terços da redução da desigualdade vieram da renda do trabalho, por meio da criação de pouco mais de nove milhões de postos de empregos formais entre 2003 e 2009; outros dois componentes importantes para a redução da desigualdade verificada foram a renda da previdência, em função, principalmente, do reajuste do salário mínimo, e a dos programas sociais, como o Bolsa-Família. Entre 2003 e 2008, a pobreza no país caiu 43%. Por isso, os economistas vêm chamando este período de “pequena grande década”. O otimismo permeia qualquer análise econômica sobre o Brasil, no que tange à redução da desigualdade, porque a renda do trabalho continua crescendo.

Estes mesmo estudos, no entanto, apontam para um possível gargalo: a educação. Sem ela, a renda pode diminuir nos próximos anos.

A escolarização no país tem aumentado porque um dos critérios para as famílias receberem a renda dos programas sociais é manter as crianças na escola. Só que o benefício é pago até os 12 anos; a partir daí, coincidentemente, os índices de evasão escolar começam a aumentar. 20% dos jovens entre 16 e 17 anos não freqüentam a escola, 41% deles porque não se interessam pelos estudos. Mesmo sabendo que podem sair de uma renda de 700 reais para 1700 reais/mês pelo simples fato de terem terminado o 2º. Grau, estes jovens não vêem “vantagem” em seguir nos bancos escolares, porque não sentem que seus sonhos serão alcançados por meio do diploma.

De fato, não estão de todo errados. Superar as nossas desigualdades vai exigir muito mais esforço e criatividade do que até agora empregamos. Mas, se estamos realmente mudando as coisas neste país e queremos construir uma sociedade sustentável, não podemos fugir deste desafio.

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