sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Um telefone na mão, uma ideia na cabeça

À mesa com o Valor: O empresário Oded Grajew é mestre na arte de persuadir vários setores da sociedade a unir forças e alinhavar projetos para o desenvolvimento socialmente mais justo. "É, eu tenho iniciativa. Acho que tenho cara de pau."

Por Célia Rosemblum
                                                                 
                                                                Lula
Com antecedência de 15 minutos, surpreendente para um dia chuvoso na congestionada São Paulo, o empresário Oded Grajew chega ao pequeno bistrô La Marie, encravado em uma esquina no bairro de Pinheiros, com o celular em punho. Sua preocupação é combinar com a assessora um esquema para dar entrevista à rádio CBN diretamente do restaurante que escolheu para o "À Mesa com o Valor". Quer passar o número de telefone do local para ter uma comunicação sem ruídos, que ajude a explicar uma de suas últimas iniciativas sociais - a plataforma de cidades sustentáveis, compilação de referências para ações públicas e privadas, feita com a participação do Movimento Nossa São Paulo, que ele lidera em paralelo à presidência do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

Desde muito antes de a telefonia celular multiplicar as conexões e as funcionalidades dos aparelhos, para Oded o telefone é o que se definiria no jargão corporativo como ferramenta estratégica. Na década de 70, quando leu em um jornal que Chico Buarque de Holanda estava desenvolvendo um jogo de tabuleiro, não teve dúvidas: ligou para dizer ao compositor que estava interessado em produzir na Grow, fábrica de "brinquedos inteligentes" de que era sócio, o Ludopédio. Deu certo.
                                                    
                                                Marcelo Soubhia/Folhapress
Apoio contínuo: almoço com Lula organizado
pelos emprresários da Cives (Associação
Brasileira de Empresários pela Cidadania), em 1995.

Em 1985, curioso para conhecer o líder sindical e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) Luiz Inácio Lula da Silva, não teve dúvidas: telefonou e pediu um encontro. Quatro anos depois, estava engajado na primeira campanha de Lula à Presidência. O que não o impediu de, dias após a derrota de seu candidato para Fernando Collor de Mello, ligar para Zélia Cardoso de Mello, apontada como ministra da Economia, para defender que fosse estabelecido no país, assombrado por índices de inflação em torno de 80% ao mês, um pacto social nos moldes do feito em Israel, na década de 80, para conter uma espiral de preços que avançavam 30% ao mês.

Pacto é uma ideia sedutora para Oded. Em 1988, convenceu os então presidentes de centrais sindicais concorrentes Jair Meneguelli, da CUT, e Luiz Antônio de Medeiros, da Força Sindical, a integrar uma caravana de empresários e sindicalistas para Israel com o objetivo de conferir o acordo social. Quando Lula assumiu o primeiro mandato, em 2003, Oded, que trabalhou como assessor especial do governo por 11 meses, voltou à carga com a proposta.

A ideia de conjugar forças, arregimentar os diferentes setores da sociedade, elaborar respostas às situações de crise e alinhavar projetos para o desenvolvimento socialmente mais justo, no fundo, é o coração de muitos dos programas e iniciativas sociais que Oded desenvolveu ou apoiou nas últimas décadas. Em um apanhado resumido, ele ajudou, em 1989, a estruturar o Pensamento Nacional das Bases Empresariais, o PNBE, grupo de oposição à conservadora Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); criou a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente em 1990; idealizou o Fórum Social Mundial, que teve sua primeira edição em 2001, em Porto Alegre; estruturou o Ethos; deu vida ao Movimento Nossa São Paulo.
                                               Arquivo pessoal
Participação no primeiro mandato, em 2003,
como assessor especial

No percurso, ganhou amigos e apoiadores importantes. No PNBE, Oded conheceu Guilherme Leal, atual candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva (PV); Sérgio Mindlin, então diretor da Metal Leve; Helio Mattar, que está à frente do Akatu, instituto que defende o consumo consciente; Eduardo Capobianco; Ricardo Young, candidato ao Senado pelo PV-SP; e Jorge Luiz Abrahão, que integra o conselho do Ethos. São hoje os amigos mais próximos.

Vinte minutos depois de chegar ao La Marie, onde costuma almoçar pelo menos uma vez por semana, Oded mostra certa apreensão com o atraso da assessora, certamente atrapalhada com o tráfego. Mais do que preocupado com a entrevista para a rádio, ele parece estar com fome. Tinha ensaiado pedir algo logo que se sentou à mesa. Assim que Cristina Spera, que cuida de sua relação com a imprensa, chega, pede o cardápio e escolhe suflê de espinafre e salada de folhas com molho de framboesa, do cardápio executivo. Para beber, guaraná diet.
Não toca no couvert. Assiste paciente à montagem da iluminação que a fotógrafa Anna Carolina Negri faz. Não aprecia ser alvo de flashes. Timidez? "Não parece, mas sou introvertido." Diz que aprendeu, acostumou-se à exposição. Mas continua com parte da sensação de dificuldade que o acompanhava quando, no fim da adolescência, vendia livros e enciclopédias em bairros populares para reforçar o orçamento da casa.

"Meu pai morreu cedo. Eu tinha 15 anos." Por certo tempo, a família contou com a ajuda de um tio. A mãe usou as reservas para abrir uma loja de roupas no Brooklin, mas o dinheiro não era suficiente. Oded foi buscar alternativas que permitissem conciliar os estudos com a necessidade de ajudar a mãe e o irmão seis anos mais novo.

A flexibilidade de horários pesou na escolha da área de vendas. Já no fim do curso de engenharia elétrica que fez na Politécnica, da Universidade de São Paulo, começou a vender títulos do clube Tortuga, no Guarujá. "Eu era um bom vendedor. Ganhei um dinheiro que dava para me manter, ajudar minha mãe, meu irmão e continuar estudando.

Foi um período difícil na vida de Oded, que nasceu em Israel e mudou aos 11 anos com a família para Paris por causa do trabalho do pai, que era importador de relógios, motivo que os trouxe ao Brasil um ano depois. Vendendo livros, conheceu a periferia. Nos plantões no Guarujá, começou a conviver e dividir alojamento com pessoas que tinham uma vida ainda mais dura. "Isso me motivou a ganhar dinheiro e ter a liberdade que eu tenho."

A formatura marcou o início de uma fase em que as coisas andaram muito bem. E rapidamente. Logo que saiu da faculdade, Oded fez estágio na GE como projetista de máquinas. Decidiu, então, tentar uma vaga de engenheiro na Cesp, onde ficou um ano. Foi o suficiente para concluir que precisava ir além. Fez pós-graduação na FGV e pulou para o setor financeiro em um momento em que os bancos começavam a desenvolver múltiplas atividades. Começou no Real, passou para o Safra. Ganhou, segundo conta, um bom dinheiro. "Mas continuava querendo ser dono da minha vida."

Nesse momento Oded se anima com a aproximação do garçom, que carrega seu frugal prato de folhas. Mas dura pouco. Em vez de ser colocado à sua frente, o prato aterrissa na mesa ao lado, para ser fotografado. O que sente quando acontece uma coisa assim? "Quero sumir." Mas sabe que é apenas um dos pequenos preços da liberdade que sempre quis ter.

Quando trabalhava em bancos, Oded achava que ser empresário resolveria seu problema. Com pouco dinheiro, precisava de um projeto original. Na época, dividia com amigos da Poli o gosto por jogos de tabuleiro trazidos do exterior. "No Brasil, jogos e brinquedos eram coisa de criança." Resolveram apostar nesse nicho e juntaram a inicial de seus nomes - Geraldo, Roberto, Oded e Waldir - para batizar sua fábrica de brinquedos inteligentes, a Grow.

O negócio deu certo. Em 1988, Oded se afastou das funções administrativas para ter mais tempo livre. Em 1993, vendeu sua parte na empresa e vive dessa renda. "Não preciso de muito dinheiro. Tenho poucas ambições consumistas e elas são muito baratas. Cinema, teatro, jantar com a minha mulher, amigos, viagens. Viagem talvez seja mais caro, vai. Mas, mesmo assim, eu gosto de viajar pelo Brasil."

Mora no Pacaembu, bairro residencial arborizado de classe média alta, em uma casa onde está desde 2003. "Tem um verde perto, um jardim, terra, sol." Quando não está viajando ou no Guarujá, onde tem um apartamento "em cima do mar", aproveita o silêncio do local. No litoral, aprecia o mar. Lembra os tempos em Tel Aviv e no Rio.

Os primeiros anos de vida passados em Israel tiveram forte impacto na vida de Oded. "A proposta inicial, política, de Israel, hoje mudou muito, era uma proposta muito socialista. Era uma sociedade mais solidária, tinha os 'kibutzim' [fazendas de propriedade coletiva], as pessoas tinham poucos recursos, mas viviam bem em comunidade, as crianças eram muito bem tratadas."

A lembrança de uma sociedade mais justa é uma espécie de cenário de onde nascem suas ideias. Novas propostas, porém, requerem condições como tempo. "É preciso dar oportunidade para as coisas acontecerem". Em 1997, tirou um ano sabático com a mulher. Passou metade do período na Europa e a outra metade nos Estados Unidos. Conheceu organizações empresariais, fundações e o conceito de responsabilidade social. No fim daquele ano, veio a ideia do Ethos, lançado em 1998.

A Fundação Abrinq é resultado de um fim de ano que Oded e Mara, sua mulher, passaram no sítio do irmão dele, Jakow, em Itapecerica da Serra. Estava lendo o jornal e ficou impressionado com os "números absurdos" de um relatório da Unicef sobre a situação da infância no mundo. Pensou em fazer algo, como mobilizar o setor em que atuava, de brinquedos, pelos direitos da criança.

O projeto de um fórum social em oposição ao Fórum Econômico Mundial surgiu em uma viagem a Paris. Oded assistia à TV enquanto esperava Mara ficar pronta para um jantar. Davos, uma instância em que a responsabilidade social e o meio ambiente eram completamente estrangeiros, era foco do noticiário. Um ano depois, a oposição que Oded vislumbrou naquela hora se manifestava em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial.

Um telefone na mão e uma ideia na cabeça seriam pouco eficientes sem o domínio que Oded tem da arte da persuasão. Fala baixo, com um sotaque de difícil identificação e poucas oscilações no tom da voz. Costuma fazer muitas pausas, em que parece examinar e descartar mentalmente palavras que não se encaixam na lógica do discurso. Mas compensa o ritmo mais lento com perseverança, uma certa insistência e um modelo de abordagem desenvolvido nos anos de vendas. "É, eu tenho iniciativa. Acho que tenho cara de pau."

Nenhuma ideia, porém, progride sem o aval de Mara. "Se ela fala que não é boa, eu não vou em frente; se ela fala que é boa, eu vou." Eles estão juntos há 24 anos. Casados, há 17. Conheceram-se em Cuba, em um congresso de psicologia. Mara foi porque é psicóloga. Oded aderiu porque, na época, uma das poucas alternativas para conhecer a ilha era participar de programas oficiais, em geral eventos nas diferentes áreas de conhecimento. "O congresso era quase um pretexto para conhecer Cuba, tinha festa, tinha passeio", lembra. "Eu gostei dela."

É hora da sobremesa. Oded passa incólume pela sugestão do dia - creme brûlée ou musse de chocolate. Quer uma fruta, mas o abacaxi está verde, explica o garçom. Ele evita doces por um motivo prosaico. "Não quero engordar." Gosta de esportes, diz que a atividade o faz sentir-se bem. Joga tênis, ou caminha, ou faz Pilates, ou academia, seis dias por semana.

Abrir espaço na agenda tanto para a academia quanto para a programação cultural é indispensável para Oded. "Só consigo fazer as coisas se tiver saúde física e mental; se estiver estressado tentando fazer tudo, não vou conseguir ser criativo". O segredo é eleger prioridades. "Eu abro mão de uma série de coisas."

O convívio com a mulher e os amigos não está nessa categoria. Foi para mantê-los que Oded desistiu de ser assessor especial de Lula no primeiro mandato. Diz que aceitou o convite para participar do governo, ao lado do amigo Frei Betto, porque o momento era delicado, com muitas oscilações no mercado. Quando avaliou que as coisas estavam estabilizadas, quis voltar para casa.

Saiu decepcionado? "A decepção é não pelas coisas que foram feitas, é pelas coisas que poderiam ter sido feitas. Na questão da política, da reforma do Estado. Tem três áreas: a reforma política, a reforma do Estado e no combate à corrupção."

Em um jantar recente com os amigos, comemorou o fato de milhões de brasileiros terem saído da situação de pobreza nos últimos oito anos. "Eu me sinto gratificado porque acho que alguma coisa tenho a ver com isso. Porque sem apoio empresarial ele nunca teria sido eleito e eu que abri as portas do mundo empresarial para o Lula, para o PT."

Nesta eleição, o voto vai para Marina Silva, do PV, e para os amigos Leal e Young, claro. Oded acredita que eles estão cumprindo o papel de promover o desenvolvimento sustentável. "Os sinais hoje estão dados. Existem enormes riscos para a humanidade se não mudar o modelo de desenvolvimento. Isso está me mobilizando. Ficar atento aos sinais, essa é uma herança que eu carrego." O pai de Oded, Mejer, e a mãe, Sora, deixaram a Polônia rumo à Palestina um mês antes do início da Segunda Guerra. "Foram porque acharam que coisa boa não vinha com Hitler. Ficaram atentos aos sinais, que eram muito fortes." Tentaram, sem sucesso, convencer as famílias a ir junto. "Pais, tios, primos sobraram pouquíssimos, porque não acreditaram nos sinais."

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico, em 20/08/2010

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