sexta-feira, 29 de julho de 2011

China, Brasil e as mudanças climáticas

A China anunciou há poucos dias um programa experimental para estabelecer um mercado de carbono doméstico com vistas a reduzir suas emissões até 2020. Um avanço extraordinário para um país que, na COP 15, em 2009, não economizou esforços diplomáticos para impedir que os países assumissem em bloco o compromisso de reduzir emissões.

O que esta medida tem a ver com o Brasil? O que aponta como caminho para o mundo? Qual a influência que pode ter num possível acordo sobre clima da COP 17 e sobre o desenvolvimento sustentável, na Rio + 20?

As respostas exigem uma reflexão sobre a conjuntura internacional e o papel da China e do Brasil, bem como das empresas, nesse processo. Então, vamos por partes.

Contexto internacional

A 15ª. Conferência das Partes sobre Meio Ambiente, mais conhecida como COP 15, já passou para a história por vários motivos. Realizada em Copenhague entre 9 e 20 de dezembro de 2009, ela reuniu o maior número de chefes de Estado para discutir meio ambiente, desde a Rio 92, e ficou famosa por também ter sido o momento em que a sociedade civil global mostrou sua força política. Centenas de milhares de “ongueiros” do mundo todo, de Tuvalu aos EUA, passando por Brasil e países árabes (olha aí a semente da Primavera de 2011!) foram a Copenhague e, junto com as organizações locais, realizaram manifestações públicas diárias, cobrando uma posição consistente dos governos a respeito das conseqüências do aquecimento global. Basicamente, os manifestantes exigiram nas ruas o que os governantes não conseguiram estabelecer em incontáveis plenárias e reuniões fechadas: um acordo internacional com metas de redução de carbono, diretrizes para estabelecer um mercado de compensações de emissões, um fundo internacional para financiar desde inovações até a transferência de populações afetadas pelas mudanças climáticas.

Com menos alarde, mas com igual contundência, representantes das maiores empresas – inclusive brasileiras – também se fizeram presentes à Conferência e, em reuniões informais, algumas inclusive em conjunto com ONGs, discutiram os desafios das sociedades diante das mudanças climáticas e as oportunidades de negócio que elas abrem em energias renováveis, recuperação de serviços da natureza, inovação, processos e produtos.

A COP 15 também representou uma “virada” na cobertura de imprensa que, a partir daí, passou a dar mais espaço a temas ambientais no noticiário.

Bem, mesmo assim, a COP 15 é mais lembrada pelo que ela “não foi”. Não houve o tão esperado acordo para conter as emissões de carbono em nível global. Os governos não conseguiram se entender. Ou melhor, EUA e China bloquearam qualquer chance de consenso sobre os assuntos em pauta. Ambos os países consideraram que um acordo limitante – como seria aquele de Copenhague – feria a soberania nacional deles.

Mas a COP 15 também “foi” muitas coisas. Foi, por exemplo, um divisor de águas para o Brasil que, pela primeira vez, apresentou metas de redução de emissões. O documento oficial final foi uma “declaração de intenções” no qual os 130 governos comprometeram-se com o mínimo: estabelecer ações de mitigação para impedir que as temperaturas globais subam além dos 2 graus Celsius até 2050. As metas sugeridas são tímidas, se comparadas com as necessidades apontadas pela ciência da mudança climática. Com esses dois graus, vale ressaltar, os países-ilha, como Tuvalu, tendem a desaparecer. O que fazer com a população? Ainda não há resposta. 

No entanto, a aceitação desse mínimo indicou, ao menos, a “vontade” dos governos – principalmente EUA e China -, de encarar o problema do aquecimento global. Até pouco antes da COP 15, no Fórum Econômico de Davos, em janeiro de 2009, a própria China – já na época a maior emissora de carbono do planeta - afirmava que o aquecimento global era um “entrave” que os industrializados “inventaram” para impedir o crescimento econômico do país.

A COP 15 também representou a consolidação dos “emergentes” como “players” importantes na geopolítica internacional. Com destaque para o Brasil. Lula, na época presidente, foi uma das “estrelas” do evento. Fez todos os esforços para que EUA, China e Índia aceitassem metas mais ousadas e, quando percebeu que seria inútil continuar tentando, fez um discurso emocionante no plenário dos chefes de Estado, destacando que a discussão na COP 15 não era apenas sobre clima, mas de um rearranjo internacional que garantisse desenvolvimento e oportunidade iguais para todos os países e todas as pessoas do planeta.

Contexto Nacional


Lula também enfatizou que o Brasil não ia “barganhar” as metas de redução que já assumira unilateralmente e que não precisam de dinheiro externo para ser atingidas.
De fato, o Brasil anunciou antes da COP 15 que iria reduzir suas emissões em até 38% até 2020, aprovou a Política Nacional de Mudanças do Clima no fim de 2009 e sua regulamentação no início de 2010.

As empresas brasileiras do Fórum Clima, lideradas pelo Instituto Ethos, tiveram um papel decisivo nessa tomada de decisão. Em 25 de agosto de 2009, durante o seminário “Brasil e as mudanças climáticas: oportunidades para uma economia de baixo carbono”, executivos de algumas das maiores empresas do país assumiram o compromisso de reduzir as emissões de carbono de suas companhias. Ao mesmo tempo, apresentaram diversas sugestões de ações ao governo federal para o Brasil avançar na agenda rumo a uma economia de baixo carbono e, com isso, permitir às empresas planejar suas ações no mesmo sentido. Essas sugestões e compromissos foram reunidos num documento denominado “Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças do Clima”, que foi entregue ao Ministério do Meio Ambiente e à Presidência da República.


O governo federal, então, em outubro, anunciou oficialmente as metas de redução de carbono, enviando ao Congresso o projeto de lei que se transformaria na Política Nacional de Mudanças do Clima. Na ocasião, foi o único país a fazer isso.

As empresas signatárias da Carta constituíram um grupo de trabalho a que chamaram de Fórum Clima que funciona até hoje e tem, entre seus objetivos: monitorar os compromissos assumidos pelas signatárias da Carta e apresentar novas sugestões aos governos para aperfeiçoar as políticas nacional, estaduais e municipais de mudanças do clima.

Essas ações de empresas e de governos puseram o Brasil na vanguarda do combate ao aquecimento global. Até a China anunciar o seu mercado de carbono experimental, no início da semana. O que muda a partir daí?

Brasil x China: o que podemos aprender

O plano chinês de reduzir as emissões inclui um aumento das tarifas de energia para as indústrias de alto consumo, assim como vantagens fiscais a projetos de conservação energética. 

Haverá, também, incentivos às instituições financeiras chinesas para que invistam em novas energias, em um país que já lidera mundialmente o investimento em renováveis. Paralelamente, o governo vai desencorajar o crescimento excessivo de setores muito intensivos em energia. 

O governo chinês também fixou como metas: reduzir entre 8% e 10% suas emissões de poluentes no período 2011-2015; aumentar para 11,4% o uso de combustíveis não fósseis como fontes de energia (embora carvão e petróleo continuem predominando); e reduzir em 17% a intensidade de carbono (emissões de CO2 divididas pelo PIB) na economia. 

Catástrofes ambientais, problemas de segurança alimentar e outros conflitos relacionados à degradação dos ecossistemas nesse país têm causado insatisfação e revolta na população. Por isso, as autoridades resolveram agir e, assim fazendo, contribuíram para avançar a agenda de compromissos de governos com vistas à Rio + 20.
O Brasil, que desde a COP 15, ocupava uma posição de destaque em relação aos temas ambientais, perde agora alguns pontos. Por quê?
Porque a Política Nacional de Mudanças do Clima ainda não saiu do papel. Não há regras claras para o estabelecimento de um mercado de carbono: quem deve regular esse comércio, como o crédito deve ser tributado pelo Estado e contabilizado nos balanços das empresas.
Também não há política fiscal que estimule (ou desestimule) setores econômicos, que incentive a inovação para a sustentabilidade e os empregos verdes.
Pior: vivemos um retrocesso ambiental, com o aumento do desmatamento – a grande causa de o Brasil ser considerado um dos maiores emissores de carbono do mundo – e a perspectiva de aprovação de um Código Florestal que não pune quem desmatou e ainda promove aumento da área sem preservação em regiões de florestas nativas. 

Tudo isso às portas da Rio + 20. A expectativa do mundo é que o Brasil, pelas atitudes adotadas em 2009 e por sediar a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável em 2012, seja referência em temas socioambientais e traga propostas que sirvam de diretrizes globais para e estabelecimento de um modelo de desenvolvimento sustentável que enfrente as mudanças climáticas com crescimento econômico, inclusão social e equilíbrio ambiental. 

O que é preciso fazer para recuperar o terreno perdido?
Tirar do papel a Política Nacional de Mudanças do Clima é uma das ações necessárias. Para isso, o protagonismo das empresas pode, ainda uma vez, ser decisivo.
Ethos, entidades e empresas do Fórum Clima entregam ao governo federal recomendações para integrar políticas de mudanças climáticas

Na próxima segunda-feira, dia 1º de agosto, os integrantes do Fórum Clima – Ação Empresarial sobre as Mudanças Climáticas tem audiência com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, para entregar um documento contendo recomendações para aperfeiçoar a Política Nacional de Mudanças do Clima, tais como: uniformizar as políticas nacional, estaduais e municipais de mudanças climáticas; adotar linhas de crédito favoráveis a empresas que emitam menos carbono; definir metodologia padrão para os inventários de emissões de carbono; realizar reforma fiscal no sentido de promover a economia de baixo carbono; e construir os planos setoriais de redução de emissões de carbono.

As recomendações foram discutidas e aprovadas durante um seminário que o próprio Fórum Clima realizou em Brasília, em 15 de março deste ano, e que contou com as presenças da própria ministra Izabella Teixeira, de Carlos Nobre, secretário no Ministério da Ciência e Tecnologia, de secretários estaduais de Meio Ambiente de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, bem com de representantes do Ethos, das empresas e entidades que compõem o Fórum Clima.
O Fórum Clima – Ação Empresarial Sobre Mudanças Climáticas é um grupo de trabalho constituído para acompanhar os compromissos que as empresas signatárias da Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas assumiram, entre os quais reduzir emissões no próprio negócio e na cadeia produtiva.
Fazem parte do Fórum Clima o Instituto Ethos, o Fórum Amazônia Sustentável, a Única e dezoito empresas: Alcoa, Andrade Gutierrez, Bradesco, Camargo Corrêa, CBMM, CPFL Energia, Construtora OAS, Fibria, Grupo Pão de Açúcar, Grupo Carrefour, Natura, Odebrecht, Polimix Concreto,Samarco, Suzano, Vale, Votorantim, Walmart Brasil

Conclusão

O primeiro passo, e mais corajoso, de enfrentar os problemas do aquecimento global, o Brasil já deu e nisso foi pioneiro: estabelecer metas de redução de carbono numa legislação específica. O que precisa, agora, é “fazer”.

As sugestões encaminhadas pelo Fórum Clima ao Ministério do Meio Ambiente indicam uma parte do “fazer”. Mas, é preciso criar uma “agenda” que vá além dos temas de mudanças do clima e aponte para a transição a uma nova economia: includente, verde e responsável.

Uma parte dessas propostas estará sendo discutida nos dias 8 e 9 de agosto próximos, durante a Conferência Ethos 2011. Além da agenda que será debatida com membros do governo, de ONGs, academia e empresas, a Conferência também vai reunir propostas para elaborar um documento que será apresentado durante a Rio + 20.
Empresas, governo e sociedade juntos podem construir um país e um mundo mais justo e sustentável.

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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Paulo Itacarambi comenta: “Cor da pele ainda influencia carreiras no Brasil”

Até quando as lideranças empresariais do país vão aceitar que a raça ou a cor da pele continuem interferindo na carreira profissional dos brasileiros e brasileiras? 
Pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com 15 mil pessoas em cinco Estados e no Distrito Federal mostra que o trabalho é o local onde os brasileiros mais sentem a influência da raça ou da cor da pele sobre suas vidas: 71% dos entrevistados avaliam que esse fator interfere na carreira profissional.

Os Estados pesquisados foram Amazonas, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraíba e São Paulo, além do Distrito Federal. Neste último, aliás, 86,2% dos entrevistados consideram que a cor da pele interfere no trabalho, a maior porcentagem entre as unidades da federação pesquisadas. São Paulo vem logo a seguir, com 72,6%, e depois o Mato Grosso e a Paraíba (71,7%), o Rio Grande do Sul (65,6%) e o Amazonas (54%).

O resultado dessa pesquisa é importante porque os próprios entrevistados informam que percebem o preconceito racial no espaço social que mais envolve o cotidiano do cidadão adulto: o trabalho. Essa percepção confirma o que para muitos brasileiros era uma afirmação “radical” e “sem base”: o Brasil ainda é um país preconceituoso e está longe de promover uma verdadeira integração racial.

Junto com a falta de oportunidade no mercado de trabalho, a questão da violência também veio à tona nessa pesquisa: depois da carreira, a situação na qual a cor da pele mais interfere, segundo os entrevistados, é na relação com a Justiça ou com a polícia.

Se há um lado “positivo” nesse estudo é que, pela primeira vez, o IBGE preocupou-se em dar um recorte de raça mais aprofundado nos levantamentos demográficos que faz. Com isso, a sociedade pode refletir sobre os resultados e encontrar os caminhos para superar o preconceito racial, uma chaga que permanece no armário da sociedade brasileira desde a abolição da escravatura.

Superando obstáculos
A pesquisa Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil , realizada pelo Ethos e pelo Ibope, mostra que houve avanços muito lentos na inclusão racial nas empresas, entre 2003 e 2010. No nível executivo, os negros ocupavam 1,8% dos cargos nas 500 maiores em 2003 e, em 2010, 5,3%. No nível gerencial, os índices evoluíram de 8,8% para 13,2%. Nos quadros de supervisão, a participação subiu de 13,5% em 2003 para 25,6% em 2010. No quadro funcional, a evolução foi de 23,4% para 31,1%. Observe-se que os negros são 46,5% da população economicamente ativa do Brasil.

Adotar a inclusão racial como estratégia de negócio é uma questão ética e social para as empresas: todas as pessoas precisam ser respeitadas e todas precisam ter oportunidades para desenvolver seu potencial.

Algumas organizações já estão nesse caminho há mais de uma década e declaram resultados positivos no ambiente de trabalho e mesmo no desempenho do negócio. São esforços solitários, por assim dizer, já que dependem mais da vontade política das lideranças do que de esforço integrado de um grupo de companhias ou de um setor da indústria.

O programa da Febraban e dos bancos
Os bancos estão empenhados como setor a promover uma inclusão racial que não só traga reflexos na representação funcional das instituições, mas gere impactos na sociedade. Por isso, a a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) iniciou há quatro anos o Programa de Valorização da Diversidade, com foco não só na inclusão de negros, como também na de mulheres e de pessoas com deficiência.

O programa fez um levantamento das práticas já adotadas pelos bancos e a cultura de cada um sobre os temas raça, gênero e deficiência. Também realizou um censo entre os bancos para aferir a participação dos negros, das mulheres e das pessoas com deficiência nos quadros funcionais das instituições. Em 2007, ano do censo, os negros representavam 19% dos 462 mil funcionários do setor.

De posse dessas informações, a diretoria da Febraban constituiu uma Comissão de Diversidade, que passou a sugerir ações e diretrizes para os bancos atuarem internamente, enfrentando os obstáculos de acordo com a cultura de cada um.

De modo geral, a Febraban sugere que estratégias consistentes de inclusão precisam englobar:

• discussões prévias com os funcionários para explicar o programa de inclusão;

• implantação gradual em áreas específicas;

• avaliação transparente dos resultados alcançados; e

• apoio técnico de entidades especializadas, se for o caso.


A Febraban, em acordo com os bancos, reserva 10% das vagas de estágio do setor para os alunos do Programa Universidade para Todos (ProUni). Também mantém um site de recrutamento que centraliza as vagas de todo o setor bancário, com filtros que permitem mapear os candidatos por raça, localização geográfica, formação, gênero, idade e eventual deficiência.

O censo bancário ainda não foi atualizado, mas dados analisados a partir desse site dão conta de que as contratações de negros aumentaram 70% entre os bancos que utilizam esse serviço, nos últimos quatro anos.

O caso do Itaú-Unibanco
Eleito o banco mais sustentável do mundo pelo jornal britânico Financial Times, o Itaú-Unibanco tem um programa voltado para afrodescendentes desde 2005, anterior, portanto, ao projeto da Febraban. É um programa de trainees feito em parceria com a Unipalmares que dura dois anos e capacita os participantes a atuar no mercado de serviços bancários e financeiros. Já foram constituídas sete turmas e contratadas 179 pessoas (60% dos participantes). Aqueles que não foram efetivados conseguiram bons empregos em outras empresas, pois o processo de treinamento e capacitação qualifica esses ex-estudantes, tornando-os profissionais atraentes para o mercado.

Estabelecer metas reais para a inclusão racial e encetar esforços para atingi-las não é um “bicho de sete cabeças” para nenhuma empresa. O retorno existe. Pesquisas como a Akatu-Ethos (Responsabilidade Social das Empresas - Percepção do Consumidor Brasileiro)  mostram que a sociedade reconhece a companhia que abraça um problema social como sendo do “seu” negócio e adota ação para resolvê-lo.

O que não se pode mais aturar é a indiferença das lideranças em relação a males tão tristes quanto o preconceito racial e a exclusão social. Até quando os executivos vão continuar pensando que a falta de afrodescendentes nas empresas não é com eles?

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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Igualdade de gênero é base do desenvolvimento sustentável

Relatório da ONU Mulheres demonstra que os países campeões em desigualdade de gênero têm baixo índice de desenvolvimento humano. 
A ONU Mulheres, entidade da ONU dedicada à promoção da igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres, lançou há duas semanas seu primeiro relatório global: O Progresso das Mulheres no Mundo: em Busca da Justiça. O documento demonstra que a persistência das desigualdades entre gêneros é o maior entrave ao desenvolvimento humano nos países. Essa desigualdade, segundo a ONU, chega a provocar perdas de até 85% no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Em que pesem os avanços obtidos no século XX, a ONU considera que as mulheres continuam sendo discriminadas em todo o mundo. Eis algumas desigualdades de gênero apontadas pela ONU como responsáveis pelo baixo índice de desenvolvimento humano dos países.

No local de trabalho:
• Em 117 países há leis sobre igualdade de remuneração. Na prática, entretanto, as mulheres ainda ganham até 30% a menos que os homens em alguns deles. As mulheres também realizam uma quantidade maior de trabalho doméstico e não remunerado em todas as regiões;
• No mundo, 53% das mulheres trabalhadoras (600 milhões no total) estão em empregos precários, como o trabalho autônomo ou não remunerado em empresas familiares. Geralmente, elas não contam com a proteção das leis trabalhistas.

Na vida política e pública:
• Existem fortes evidências de que, em países como Ruanda, Nepal e Espanha, uma maior presença feminina no parlamento acelera as reformas para os direitos das mulheres. Contudo, a proporção de mulheres nesses espaços ainda é inferior a 30% na maioria dos países.

O relatório assinala que as leis, quando empregadas adequadamente, estabelecem as bases para a mudança de atitudes e da situação da mulher na sociedade. Segundo o texto, foram registrados progressos graças aos esforços dos indivíduos, da sociedade civil e dos governos para o empoderamento econômico e político das mulheres. Mudanças nas legislações, incluindo as garantias de igualdade de remuneração e a adoção de cotas parlamentares, garantem que as mulheres conheçam seus direitos e possam exigi-los.

Há casos históricos que têm acelerado a reforma de leis e a mudança de atitude em relação às mulheres. Como o ocorrido com a biofarmacêutica brasileira Maria da Penha Maia, que sofreu duas tentativas de assassinato por seu marido, o professor universitário Marco Antônio Herredia – a primeira por arma de fogo, que a deixou paraplégica, e a segunda por eletrocução e afogamento. Ela levou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que resultou na adoção de uma legislação mais forte no Brasil contra a violência doméstica, simbolicamente chamada de Lei Maria da Penha.

Outro exemplo é o de Unity Dow, ativista pelos direitos humanos de Botsuana e primeira mulher a exercer a função de juíza em seu país. Unit pediu autorização para transmitir sua cidadania aos filhos, cujo pai era estrangeiro. Ganhou a ação e, desde então, pelo menos 20 países africanos reformularam suas leis para permitir que mulheres passem sua cidadania para os filhos.

Contexto nacional
A aplicação da Lei Maria da Penha pela Justiça brasileira tem promovido a diminuição dos casos de violência contra a mulher? Ainda é cedo para avaliar, porque a mudança de comportamento (e de mentalidade) leva mais tempo para ocorrer. De qualquer forma, é correto afirmar que a situação da mulher no Brasil vem melhorando, embora ainda haja muito a avançar. A eleição de uma presidenta, por exemplo, tem causado impacto nas empresas.

Há algumas semanas, o Jornal da Tarde, de São Paulo, noticiou que se ampliou a oferta de vagas gerenciais para mulheres acima de 40 anos, decorrência de um possível “efeito Dilma” no mercado de trabalho. Isso significará que as mulheres terão a mesma representação que os homens nos cargos? Receberão, pelo mesmo trabalho, salários iguais? Ainda não é possível medir esse impacto.

Pelo relatório da ONU Mulheres sobre igualdade de gênero, o Brasil ocupa o octogésimo lugar entre 138 países pesquisados. A nota brasileira é 0,631 (quanto mais perto de 1, pior o desempenho). Isso significa que o crescimento econômico ainda não se traduziu em oportunidades para as mulheres, não só no mercado de trabalho, mas no acesso a serviços públicos de qualidade.

É importante ressaltar que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres possuem escolaridade maior do que a dos homens. Nem assim, todavia, aparecem as chances de melhoria via trabalho e renda. Não por acaso, o foco dos programas sociais dos governos tem sido a mulher. Também não é à toa que as discussões sobre desenvolvimento sustentável destacam a prioridade que deve ser dada às questões de gênero.

Rio+20
Essa prioridade poderá ser traduzida em propostas do país para a Rio+20, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável que vai se realizar no Rio de Janeiro, no ano que vem. É chave para o Brasil alcançar a igualdade de gênero, porque dessa igualdade depende a superação da miséria e depende também a construção de um país com oportunidades para todos.

A Rio+20 está cercada de expectativas positivas. Governos e sociedade civil esperam que essa conferência estabeleça diretrizes que alavanquem o desenvolvimento sustentável. Numa reunião preparatória ao encontro, realizada em janeiro, na sede da ONU, os presentes apontaram o maior empoderamento das mulheres como fator de avanço do desenvolvimento sustentável. O risco é que esse empoderamento não se reflita em maior participação da mulher na política em geral e, de maneira específica, na construção de um modelo de desenvolvimento que atenda as demandas de igualdade e justiça para as mulheres.

Assim, a sociedade brasileira e as organizações que lutam pelos direitos das mulheres têm a chance histórica de colocar o “feminino” como eixo fundamental da conferência.

Por Jorge Abrahão, Cristina Spera e Benjamin S. Gonçalves (Instituto Ethos)

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